Vilamoura, 28 de dezembro de 2041
No final do dezembro de há vinte anos, andava pelo Algarve e este e-mail recebi:
“Sou professora, mas já não sei como dar aulas, já não querem que seja eu. Adorava os alunos e sentia o retorno. Criava uma atmosfera de boa disposição, era humana, compreensiva, mas já não sei como ser. Sinto-me quase robô. O Algarve prima pelo individualismo e com a pandemia ainda piorou mais.
A minha escola é pequena, com uma direção recente e dinâmica. Se puder, ajude-me de alguma forma.”
Eu tinha fama de casamenteiro, por juntar pessoas, que eu cria serem afins. Dei a conhecer à autora do e-mail o meu amigo André. Já dele vos falei, mas nunca será demais recordar palavras suas:
“Já abracei e me despedi de professores que estavam se aposentando, após longos anos bem servidos em favor da educação pública. Tenho profundo respeito por aqueles que estão há mais tempo que eu nessa jornada, porque não é fácil.
Uma vez eu comentei com uma colega em uma escola que me surpreendia ao perceber que meus colegas professores agiam com egoísmo, não colaborando na arrumação da escola após um evento. Ela me disse: “André, aqui sempre foi assim. Vai se acostumando.”
Me acostumar é assumir a normalidade dos absurdos. É dizer “tudo bem” e cuidar da minha vida. Não consigo ser assim. Não consigo ignorar certas coisas. São muitos os paradigmas dentro de uma escola, criando zonas de conformismo em um espaço que deveria ser de reflexão, de ruptura com o status quo. A escola não é um espaço para o “tudo bem”, mas sim para o “por que não?”
“André, as pessoas não querem problemas” – assim me falou uma professora amiga.
É verdade. Problemas são desafios e desafios exigem que a gente se mexa, pense e tome atitude. É muito mais confortável repetir, ano após ano, as mesmas aulas prontas, as mesmas provas, os mesmos trabalhos, os mesmos projetos.
Observo as pessoas que trabalham comigo e percebo que algumas criam uma espécie de personagem fictício para estarem dentro da escola. Através desse personagem, elas falam e agem como os outros esperam que elas façam, pois isso significa ser bem aceito pelo grupo. Pensar diferente não é muito bem-visto. Por mais absurdo que pareça, ideias diferentes não são bem-vindas para bons debates racionais, dentro do ambiente escolar.
Infelizmente, meus colegas falam de Paulo Freire e de suas ideias de amor, mas a atitude fraterna e respeitosa de Paulo Freire mora apenas nas palavras e murais. Já cheguei a usar um pensamento de Paulo Freire (sem citá-lo) como argumento em um debate com outros professores e eles, achando que era um pensamento meu, me chamarem de tolo para, depois, exaltarem Paulo Freire como patrono da educação, nas redes sociais.
Continuo com muita esperança de que em algum lugar por aí exista um grupo de pessoas que ame educação e que adore se desafiar, que adore fazer diferente, que adore ousar novos caminhos, que não tenham medo de arriscar.”
O André encontrou pessoas que amavam a educação. Com elas, concebeu novos modos de converter crianças e jovens em pessoas sábias e felizes.
Em fins de tardes de dias incertos, no bater de teclas de computador, citava arautos de prodígios e reencontrava o significado de “país irmão”. Ao ritmo de um digitar, que diferia do ritmo de pensar, eu recolhia os ecos de um S.O.S. solidário, que consolidavam pontes de fraternidade.
“Contornando a imensa curva norte-sul, embalado no suave flutuar de aragens atlânticas, acompanhando os voos do Sabiá, eu celebrava cantos que ninguém conseguiria sufocar”.
E não importava que a aquarela da nossa ténue vida se fosse…descolorindo.
Por: José Pacheco