Soalheira, 7 de janeiro de 2042
Quando visitou a Ponte, um prestigiado educador português confidenciou-me, deveras emocionado:
“Durante quase quarenta anos, fui a escolas, para estudar o modo como os alunos aprendem. Foi-me permitido observar poucas turmas e só aquelas que eram escolhidas para serem mostradas. Na maioria das escolas, somente pude falar com professores, porque não me foi permito chegar junto dos alunos. Na Ponte, são os alunos que mostram a escola a quem a visita. Aqui, pode-se falar com qualquer aluno.”
A Ponte também era uma escola “diferente”, porque mantinha – pelo menos, até 2012 – as suas portas abertas para todos quantos quisessem visitá-la, estudá-la (ou até mesmo devassá-la…).
Quantas escolas abriam as suas portas, a qualquer hora de qualquer dia, para acolher estranhos? Mesmo em tempos de crise, a Escola da Ponte jamais se fechou na sua concha. Aliás, era útil para quem a visita que compreendesse que não havia escolas perfeitas. E que aquela escola era feita de beleza e miséria humana, como qualquer outra escola.
A Ponte nada inventou. Em Educação, tudo estava (teoricamente) inventado. Para melhorar as práticas da Ponte, andei por muitos países, visitando escolas, cujas práticas nos ajudaram a trabalhar com alunos “diferentes”. Em 1995, fui coautor de uma obra fundamental: Pathways to Inclusion. Publicada em vários países, à semelhança de muitas outras obras da minha autoria, jamais foi publicada em… Portugal.
No meu país de origem, teimosamente (poderia dizer: criminosamente), se continuou a colocar remendos no velho modelo educacional. E a dita “educação especial” era um dos modos de desculpabilização do insucesso de milhares de crianças.
Não se reconhecia que, onde houvesse turmas de alunos enfileirados em salas-celas, não haveria inclusão. Onde havia aulas assentes na crença de ser possível ensinar a todos como se de um só se tratasse, não havia inclusão. Enquanto o professor estivesse sozinho na sala de aula, não haveria inclusão.
Eu insistia na necessidade da metamorfose do educador, que deveria sair de si (necessidade de se conhecer); sair da sala de aula (necessidade de reconhecer o outro); sair do prédio da escola (necessidade de compreender o mundo). O ethos organizacional de uma escola dependia da sua inserção social, de relações de proximidade do professor com outros atores sociais.
Também era requisito de inclusão o reconhecimento da imprevisibilidade de que se revestia o ato educativo. Enquanto ato de relação, ele era único, irrepetível, impossível de prever (de planejar) e de um-para-um (questionando abstrações como “turma” ou “grupo homogéneo”). As escolas que reconhecessem tais requisitos estariam a caminho da inclusão.
Na solidão do professor em sala de aula não havia inclusão. Nem do aluno, metade do dia enfileirado, vigiado, impedido de dialogar com o colega do lado; a outra metade, frente a um televisor, a uma tela de computador… sozinho. A inclusão dependia da solidariedade exercida em equipes educativas. Um projeto de inclusão era ato coletivo e só teria sentido no quadro de um projeto local de desenvolvimento, consubstanciado numa lógica comunitária, algo que pressupunha uma profunda transformação cultural.
Sem jamais perder motivação, ao longo de décadas, fui falando de inclusão e a escrevendo sob a forma de “metáforas”. Cria, piamente, que cada leitor, reinterpretando essas linhas, saberia ler nas entrelinhas. Engano de alma ledo e cego! Mas, mesmo após tomar consciência da inutilidade da escrita “inclusiva”, não desisti de escrever.
Por: José Pacheco
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