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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXIX)

Maricá, 21 de janeiro de 2042

Queridos netos, faz hoje sessenta e sete anos que a vossa bisavó Luiza partiu para um lugar etéreo, a descansar de uma vida feita de sofrimento, cansaços. Mas, não quero recordar tempos difíceis, quero começar a celebrar o ano de Darcy. E nada mais apropriado do que relembrar o que, há vinte anos, o amigo Nóvoa nos dizia e que tinha tudo a ver com as convicções que Darcy perfilhava: “Em rigor, o que se nos coloca é um problema de sentido: Para que serve a escola nas sociedades contemporâneas?” 

Nóvoa apresentava quatro tendências e seis cenários possíveis. Eu não era muito dado a especulações teóricas sem contrapartida de práxis, mas o amigo Nóvoa merecia o meu respeito, e li e reli o que ele publicou em redes sociais. 

“As respostas do passado já não nos servem e temos dificuldade em encontrar respostas novas” 

Ei-lo que apresenta cenários novos possíveis, entre os quais: a escola como organização centrada na aprendizagem, redes de aprendentes e sociedade em rede. E afirmava que a escola deveria assumir ser apenas uma entre as muitas instituições da sociedade que promovem a educação, criticando a homogeneização, que caracterizara a história do século XX. Defendia a abertura à diferença, a liberdade de organização de escolas, a “construção de diferentes projetos educativos com base em iniciativas de grupos de professores ou de associações, a liberdade na definição de percursos escolares e currículos diferenciados. A abertura à diferença permitiria criar modelos diversos de direção e gestão das escolas. 

O Mestre Nóvoa dizia ser necessário que as escolas se libertassem das estruturas físicas em que tinham vivido, desde o final do século XIX:

“Nessa época, há quase 150 anos, os edifícios escolares foram projetos de arquitetos, higienistas, médicos, pedagogos. Hoje, é necessário (…) novas energias, na criação de ambientes educativos inovadores, de espaços de aprendizagem, que estejam à altura dos desafios da contemporaneidade.

Escola centrada na aprendizagem só tem sentido se a sociedade se responsabilizar, progressivamente, por um conjunto de missões que, até agora, têm sido assumidas pela escola. Não se trata de regressar ao debate sobre a relação escola-sociedade, mas antes de promover a construção de um espaço público de educação, no qual a escola tem o seu lugar, mas não é um lugar hegemónico, único, na educação das crianças e dos jovens. A proposta que vos faço rompe com a tradição de ir atribuindo à escola todas as missões e inspira-se nas formas de convivialidade sugeridas por Ivan Illich.  A defesa de um espaço público da educação só faz sentido se ele for “deliberativo”, na acepção que Jürgen Habermas deu a este conceito.

Hannah Arendt escreveu que uma crise apenas se torna catastrófica se lhe respondemos com ideias feitas, isto é, com preconceitos. O pensamento contemporâneo sobre educação tem de ir além do já conhecido e alimentar-se de um pensamento utópico”.

Assim falava o amigo António, universitário assumido, mas de outra cepa. Não pertencia ao rol dos palestrantes de discurso vazio. Apesar dos limites impostos pela separação de dois mundos, pensava e agia coerentemente, bem ao contrário dos teoricistas sem chão da escola. Era convidado por ministérios e secretarias, para palestrar e assessorar. Expunha as ideias e propostas, que acabei de apresentar.

E eu ficava perplexo, quando via secretários e ministros impondo às escolas o contrário do que o António dizia. 

Das duas, uma: os ministros e secretários eram surdos, ou não entendiam o “português” que o amigo António falava.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXVIII)

Macieira da Lixa, 20 de janeiro de 2042

“Mãezinha, poderá fazer-me o favor de cuidar da sua neta? Hoje, ela não irá à escola. Vários alunos deram positivo no teste da covid. A escola parece que vai fechar. De novo. Não temos onde deixar a Ritinha”.

Eram frequentes mensagens deste teor, no janeiro de há vinte anos. A nova variante do vírus tinha porta aberta nas escolas. Professores e funcionários adoeciam. Alunos eram mandados para casa. Escola abria, escola fechava, um nunca mais acabar de estultas tentativas de “regresso às aulas”. 

Uma estranha loucura se apoderara dos desgovernantes. Partindo do princípio de que as escolas eram prédios, forçavam as famílias a enviar os seus filhos para dentro desses prédios. Muitas as dúvidas tinham os pais. E preocupações. Já se contavam por centenas as mortes de crianças em idade escolar. 

Em plena pandemia, mais de 540 mil estudantes do Distrito Federal iriam voltar às escolas. Os jornais davam notícia de que, “depois de dois anos conturbados devido à pandemia”, a expectativa era que, em 2022, todas as instituições tivessem “condição de ter aulas presenciais”. A Secretária de Educação já anunciara que o ano letivo seria 100% presencial e sem a exigência de vacinas para os alunos. Mas, a imunização de crianças começara.

A qualquer custo, a escola única, prescritiva, padronizada, que coarctava a liberdade de aprender, deveria reabrir as suas portas. O sistema de ensinagem nada tinha aprendido com a pandemia. Insistia em imposições sem fundamento, “transformava crianças e adolescentes em reféns de uma escolaridade obrigatória de natureza totalitária. E os professores eram guardas quase prisionais”.

Assim se pronunciava um dos maiores educadores dos idos de vinte:

“Precisamos da coragem de ver e praticar saídas para este labirinto. Agindo numa regulação do trabalho que seja amiga das famílias. Criando respostas no território educativo, que podem incluir os espaços escolares, mas também todos os espaços com potencial educativo. Dinamizando a ideia de uma polis educativa onde todos possam aprender mais. Criando equipas multidisciplinares que apoiem e cuidem do florescimento da vida.

É grande a tentação de transformar a escola numa estação de serviço idealmente aberta 24 horas por dia. Mas isto já não seria uma escola. E seria péssimo para a instituição educativa, para os alunos, educadores e famílias”.

O amigo Paulo reforçava esse depoimento:

“Tenho muito pouca paciência para o sistema educativo tradicional, obsoleto há demasiados anos. Demasiados! As noções falaciosas, que inculcou nas populações, perpetuam-se como pústulas (…) se assim não fosse, haveria muitíssimas formas de apreender e procurar informação, livremente, e de fomentar a arte do trabalho, também livremente, pela pesquisa, pela criatividade, pela entreajuda, pela curiosidade e pela liberdade. Quem quiser ver por fora, saltar fora ou andar por fora, pura e simplesmente recebe a informação de que “isso não está no programa”. 

O sistema de ensinagem permanecia indiferente a evidências da sua falência. Entretanto… numa escola do interior, feita de professores “por fora”, era este o ponto três da ordem de trabalhos: “regresso à escola”:

“Cada uma falou da sua percepção e sentir. Falámos de várias iniciativas que têm questionado as diretrizes. Lutar pela defesa da criança, neste momento, não se restringe às condições sanitárias. Essa luta é pela mudança do paradigma”.

Afinal, no tempo da ômicron e à margem dos absurdos do sistema, ainda havia professores reflexivos e críticos das suas práticas.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXVII)

Ponte da Barca, 19 de janeiro de 2042

No Portugal de há vinte anos, a comunicação social dava conta da existência de uma aldeia onde, desde o início do século, crianças não eram vistas. Germil era uma aldeia sem crianças. Situada no alto da Serra Amarela, contava 49 habitantes, a maior parte com mais de 60 anos.

“Maria Gonçalves, de 93 anos, passa o dia em casa à lareira, mas a alegria vem de espreitar pela porta as ruas desertas da terra que a viu nascer. A habitante mais velha da aldeia recorda o tempo em que por ali havia “muita canalha”. A última das três antigas escolas primárias de Germil encerrou nos anos 90 do século passado. Os edifícios foram transformados em habitação e sedes da junta de freguesia e de uma associação local. Há muito que não se vê uma criança. A última nasceu há 20 anos.”

O presidente da União de Freguesias lamentava:

“É triste ver estas aldeias a ficarem desertas. É quase tudo gente reformada. Emigrantes que voltaram e outros que estão na terra, mas também já se reformaram. A maioria tem mais de 60 anos”.

No universo de 760 habitantes de três aldeias serranas, restavam 39 meninos e meninas. Dentro em pouco, também essas crianças se iriam dali, para não voltar. Ficariam os velhos e casas abandonadas, que se quedariam ruínas compradas por estrangeiros..

O processo de extinção de escolas – mais uma estulta iniciativa ministerial – culminou por volta de 2006. Escolas com menos de dez alunos deveriam fechar. A medida inseria-se no “reordenamento da rede escolar do 1º ciclo”, que o governo pretendia concluir durante a legislatura. Era doloroso ver como um Secretário de Estado da Educação, por quem eu nutria grande admiração, contribuia para esse grave atentado:

“A existência de escolas dispersas com um número reduzido de alunos tem todo o tipo de inconvenientes, desde prejuízos pedagógicos graves, problemas de socialização, de aproveitamento dos alunos”.

Inconvenientes? Prejuízos pedagógicos? Problemas de socialização? De aproveitamento? Que Deus nos valesse! Inconveniente era destruir culturas, matar comunidades. Prejuízos pedagógicos seriam os resultantes do modelo educacinal criminosamente imposto às escolas. E que socialização ofereciam os chamados “centros escolares”? 

Em 2003, havia 7.843 escolas do 1º ciclo do ensino básico. Vinte e cinco por cento dessas escolas deveriam ser abrangidos pela medida. O ministério definiu como objectivo “encerrar a maior parte das escolas com dez alunos” e, até março de 2009, uma boa parte das que tinham menos de vinte alunos. 

De burrice em burrice (sem ofensa para os burros, que eram bem mais inteligentes), os burocratas do ministério foram desertificando povoados. As crianças passaram a ser transportadas para os grandes centros populacionais e armazenadas nos chamados “centros educativos”. Na realidade, eram centros deseducativos, bonitos na aparência, feios nas práticas.

O pretexto para a extinção de escolas era o de elas contarem menos de dez, ou vinte alunos, fundamentação de alto coturno pedagógico, como se vê. Talvez houvesse ocultas razões de natureza economicista na base da medida. Porém, se as houve, elas se mostraram onerosas, ao obrigar à construção de megalómanos prédios, à contratualização de transportes escolares e à prestação de serviços de transporte em táxis. 

Nos idos de vinte, muitos centros educativos contavam com menos de dez alunos por professor. Essa ratio enquadrava-se na trágica medida ministerial. Se assim era, segundo princípios da “pedagogia predial”, por que razão o ministério não mandava fechar os centros educativos?

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXVI)

Gião, 18 de janeiro de 2042

Mal acabara a obrigatória quarentena, fui passear pelas ruas de Tavira, máscara prudentemente colocada, mãos húmidas de álcool em gel. Cansado de tanto andar, sentei-me em frente ao coreto do jardim, junto ao Rio Gilão. Senti-me invadido por uma estranha sensação. Tomava consciência de que havia estado sentado naquele banco de jardim… há cinquenta anos. 

Meio século antes, ali me sentara, antes de entrar num quartel, onde preparavam jovens para combater numa (como todas) estúpida guerra, que já me levara três amigos. No janeiro de setenta e dois, o vosso avô fora mandado ser atirador de infantaria, tal como o Valdemar, o João e o Eduardo, mortos em combate, em Moçambique e na Guiné. Para o vosso avô pacifista e estrábico, ser enviado para a guerra colonial soava como uma sentença de morte. Talvez um dia vos conte como dela escapei.

Na antiga biblioteca da casa de Vila das Aves, encontrei fotografias desse tempo, juntamente com o livrinho das cartinhas enviadas à Alice. 

Enviei-as em 2001, nos seus primeiros dias de vida. A última tem a data de 15 de setembro de 2007, o dia previsto da sua entrada na escola e de aniversário do saudoso amigo Rubem. Me recordo de, no janeiro de 2022, ter recuperado algumas das metáforas contidas nesse livro. Exatamente, 16 anos e 4 meses depois, publiquei-as no Instagram (certamente, ainda vos lembrais dessa velha rede social): 

Nesse tempo, a par dos gestos claros das gaivotas e de outras aves de branca magia, havia o contraponto da magia negra de pássaros doentes de inveja, que negavam a realidade e tentavam abolir a esperança. Hoje não te falarei desses tenebrosos pássaros. Evocarei um Pássaro Encantado, ser raro, sensível, que, no tempo em que tu nasceste, contava a história de um “pássaro branco com cauda de plumas fofas como algodão”, que chorava e tinha saudades, como os humanos nem sequer conseguiriam imaginar.  

Esse Pássaro Encantado incompreendido pelos pássaros cativos era a esperança dos pássaros fraternos e sonhadores. Comovia-se perante o canto inventado por um outro pássaro mágico de nome Bach, ou quando escutava melodias inventadas por Ravel, um pássaro que deixou muitas melodias por inventar. 

O Pássaro Encantado abalou para o outro lado do mar, ao encontro da escola “com que sempre sonhara”. Depois, apercebeu-se de que o sonho não habitava apenas aquela escola das aves, que o sonho morava em muitas, muitas escolas e gaivotas. Preocupava-se com o futuro dos jovens pássaros, mas não se conseguia abstrair da necessidade da felicidade do imediato. 

Seguindo o exemplo do Pássaro Encantado, muitas gaivotas conscientes de que o tempo foge enquanto a eternidade avança, ousavam reinventar a Escola. E, porque sabiam que, se a Escola fora invenção do Diabo, o Diabo fora uma invenção dos homens, as gaivotas já reivindicavam a felicidade do aqui e agora. Ainda que a escola o tivesse esquecido, ao longo das trevas em que esteve imersa, o fim último da Escola é mesmo o de ser feliz.

No já distante ano de 2003, na estante do quarto que foi o lugar onde o teu pai cresceu e se transformou no maravilhoso ser que te gerou, coloquei os livros que o Pássaro Encantado ia escrevendo (livros eram objectos através dos quais os humanos passavam a sua herança cultural, de geração em geração). Ali permanecem, à espera de que a escola que, em breve, te irá acolher, te conceda o privilégio da paixão de os procurar, de os abrir, de os saborear. Sei que te deixarás penetrar pela benfazeja mensagem.”  

Creio que compreendereis por que razão, em 2042, ainda é necessário transcrever antigas metáforas.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXV)

Oliveira de Azeméis, 17 de janeiro de 2042 

No norte de Portugal, nos idos de vinte, num dos encontros na Escola do Forte, conheci uma Maria João, que homenageio lhe dedicando este naco de “velhos achados inclusivos”. A homenagem é extensiva aos amigos Ricardo e Adriana, com quem aprendi humanidade e recuperei esperança, num tempo em que era difícil mantê-la. Bem haja quem cuida dos “diferentes”!

Sou professora de Educação Especial no curso de Pedagogia de uma Universidade Pública no Brasil. Gostaria de saber como pais e alunos vivenciam a inclusão de crianças e adolescentes com necessidades educacionais na Escola da Ponte. 

“Falo como aluna, melhor dizendo, ex-aluna da Escola da Ponte, que partilhou grande parte dos seus anos de estudante nessa escola com pessoas com necessidades educacionais específicas. Eu trabalhei num grupo com uma menina com trissomia 21, e partilhei a escola com crianças com outro tipo de problemas de aprendizagem. Sinto-me mais à-vontade para falar da menina que incluía o meu grupo de trabalho, uma vez que grande parte do dia era passada com ela. 

Não havia qualquer tipo de distinção por parte dos colegas, pois sempre a vimos como um ser humano, tal como todos nós, que tinha nascido um pouco diferente, mas que, em tudo o resto, nos era igual, se não superior, sendo assim merecedora do nosso respeito e apoio. A sua inclusão foi muito fácil, não sei explicar como aconteceu, porque simplesmente aconteceu! É incrível, mas, quando nos deparamos com pessoas com esta síndrome, desenvolvemos imediatamente um laço de afeto difícil de expressar. Penso que talvez se deva ao fato de se abstraírem do superficial, dando apenas importância ao interior. Trabalhar com ela tinha os seus altos e baixos, pois tente convencer alguém que é fanático por revistas cor-de-rosa, que fala dos seus cantores favoritos, a trocar por uma ficha de português… Verá que tem o seu grau de dificuldade!”

Quais são os problemas que a Ponte enfrenta? Existe alguma dificuldade de adaptação desses alunos, quando vão para outras escolas?

Desta feita, quem deu resposta foi o pai de aluna da Ponte:

“A escola tem seus problemas, decorrentes de um momento muito especial, em que ela deixa de ser uma pequena escola e passa a ser uma escola de fundamental completo, ao mesmo tempo em que sua principal liderança se aposenta após mais de trinta anos de atuação na escola. Isto não deve constituir surpresa para ninguém. Surpresa mesmo seria se problemas não existissem. Esta “escola dos sonhos” é também uma escola real com problemas reais. Não é uma escola “de mentirinha”, que não convive com problemas de nenhuma espécie. 

Sei que a escola se orgulha de nunca ter rejeitado um aluno, nunca ter dito “este, aqui, não”. Todas as crianças são acolhidas. Não sei dizer como portadores de necessidades especiais são tratados nas outras escolas depois que saem da Ponte. Aqui, a inclusão das crianças com necessidades educativas especiais é feita com a maior naturalidade possível. A maioria delas vem parar à Ponte, por verem esta escola como última esperança de recuperação. Chegam à Ponte crianças institucionalizadas, “órfãos de pais vivos” (famílias desestruturadas), portadores de Síndrome de Down, com paralisia cerebral e outras. A todas é dada, a melhor resposta possível.

Os nossos filhos chamam-nos à atenção, quando nos referimos aos “deficientes”, dizendo-nos que não são deficientes, mas… “diferentes”. Afinal, o que todas as crianças precisam é de atenção, carinho, quanto mais aquelas que se vêem privadas destas e de outras coisas mais tangíveis!”

 

Por: José Pacheco

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXIV)

Malhão, 14 de janeiro de 2042

No já distante janeiro de 2022, em mais um périplo português, chegava a Vila do Conde e ao convívio com o amigo Ricardo e com os educadores do Colégio do Forte. Concluíra uma longa viagem por terras minhotas, onde escutara famílias preocupadas com o futuro dos seus filhos, conhecera uma nova e auspiciosa geração de políticos e gestores, onde ajudara educadores no esboço de uma nova educação. Voltava a esperançar

Mas, as notícias, que chegavam do Brasil, eram desanimadoras. Talvez a Natureza reclamasse dos maus tratos que lhe eram infligidos. A Bahia era castigada por chuvas torrenciais, que destruíram casas e cortaram vias de comunicação. No estado vizinho de Minas Gerais, a tempestade já causara dezenas de mortos. Em Itabirito, os bombeiros encontravam os corpos de uma família inteira, cuja viatura fora levada pela enxurrada. 

E a pandemia não tinha fim à vista. A Áustria decretara a obrigatoriedade de vacinação. Na Inglaterra, o Primeiro-Ministro corria risco de ser obrigado a renunciar ao cargo, por ter ido a uma festa, durante o confinamento. No Québec, o governo proibira a venda de álcool para não vacinados, e a busca por vacina subira 300%. E o ministro da Saúde referia que os agendamentos para receber primeira dose da vacina tinham quadruplicado antes mesmo de a medida entrar em vigor.

No Brasil desse janeiro, era evidente a incompetência dos governantes para lidar com problemas decorrentes da pandemia. O Distrito Federal atingia a maior taxa de transmissão, desde março de 2020. O índice constante de um boletim da Secretaria de Saúde mostrava que cada grupo de cem cidadãos transmitia a doença para, em média, mais de duzentas pessoas. Havia farmácias a suspender testes de Covid, por falta de estoque. E a voz autorizada de Miguel Nicolelis avisava:

“O retorno às aulas sem a imunização de crianças é absurdo”.

Esse neurocientista falava dos riscos aportados por uma nova variante do vírus. Em janeiro de 2022, o mundo sofria um aumento de casos. A variante “ômicron” causava quase três milhões de infecções por dia. O contágio exponencial da nova variante preocupava governos e obrigava a novas medidas, o surgimento da “ômicron” obrigava a adotar novas formas de isolamento. Em dezembro, muitas das manifestações diagnosticadas como gripe, na realidade, seriam manifestações de covid. Aumentava o número enorme de pessoas precisando de internação hospitalar. E um “apagão de dados” agravava a situação.

Nicolelis apelava à vacinação de crianças. Esta não poderia ser adiada, por conta de uma consulta pública, que, nas palavras de Nicolelis, “não tinha comprovação científica nenhuma”. Esta afirmação poderia ser adaptada a outro surto pandêmico, ocorrido entre os séculos XVIII e XIX, pois o modelo educacional imposto às escolas pelo poder público “não tinha comprovação científica nenhuma”. 

Em outra cartinha, contei-vos a estória do Bino, vítima desse modelo educacional. Para esse jovem, a Ponte foi uma escola de “última oportunidade”. Mais tarde, conheci outra escola de “segunda oportunidade”. Em Matosinhos, a Daniela e a sua equipe cuidavam dos deserdados do instrucionismo. Que belo trabalho ela fazia! 

A origem socioinstitucional do insucesso não era admitida. E a pandemia instrucionista iria manter-se até aos anos trinta, tratada com paliativos ministeriais de nulo efeito, mitigada por projetos como o da “Educação de Jovens e Adultos”, ou o “Reconhecimento dos Adquiridos”, assentes no pressuposto de que o insucesso escolar apenas tinha origem socioeconômica e cultural.

Por: José Pacheco

 

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXIII)

Lajinha, 13 de janeiro de 2042

Há uns oitenta anos, o vosso avô “ganhava a vida” fazendo “biscates” de eletricista. Na Ilha dos Tigres, não faltavam clientes. Rádio de válvulas avariado, lâmpada que não acendia, curto-circuito imprevisto, tudo servia para ganhar uns cobres. Perante a avaria, manuseava na perfeição um velho busca-pólos, que dinheiro não havia para comprar um amperímetro, e, com o escasso conhecimento, entre choques de baixa tensão, curiosidade e teimosia quanto baste, lá fui acertando e errando… aprendendo. 

Só meia dúzia de anos depois, guardei as chaves de fenda e o alicate, para debutar no mundo da educação. Não havia desafio que não enfrentasse, problema que não resolvesse. Daí que tivesse criado situações tensas, delicadas, na passagem do mundo industrial para a minha iniciação profissional. Para a escola eu levava aquilo que captara no mundo das “ciências exatas”: capacidade de análise, rigor e uma apreciável dose de resistência à frustração.

Imaginai, então, o meu primeiro dia na escola pública onde me “efetivei”.

Esperei mais de meia hora que a primeira reunião do Conselho Escolar começasse. As professoras iam chegando e conversando sobre os últimos capítulos de uma novela, que fazia grande sucesso na rádio. Sendo estrábico, sem que elas percebessem, ia observando os olhares que me deitavam. De um modo como só professoras eram capazes, entre elas cochichavam sobre a presença do único homem naquela reunião.

Eu era um jovem e as minhas colegas já eram “entradas na idade”. No mínimo, tinham o dobro dos meus anos. E a reunião teve início sem que tivessem dirigido a palavra a um “novato”, que as privava de “conversar sobre coisas de mulheres”.

Na primeira reunião do ano letivo, eram feitas as turmas. Sem apresentações, nem saudações, a professora mais idosa (pelo menos, na aparência) chamou uma funcionária da escola, mandou-a sentar-se ao seu lado e foi perguntando:

“Ó Eufêmia, de quem é filho este miúdo?”

“É filho do Senhor Engenheiro.” (Coloquei maiúsculas, para tentar representar a ênfase posta pela Eufemia na referência àquele pai, certamente, pessoa importante).

A professora escreveu o nome da criança no seu Diário de Frequência. E o diálogo prosseguiu:

“E este, aqui?”

“Esse vem lá do bairro da Sobreira”.

“Então vai para a turma do nosso novo colega. Sou a docente mais antiga e tenho prioridade na escolha.”

Quando já tinha ficado com uns e me mandando ficar com outros, eu perguntei qual seria o critério da distribuição dos alunos pelas nossas duas turmas:

“Colega, por que não segue a ordem da matrícula?” – perguntei – “Por que não coloca na sua turma os primeiros da lista e me entrega os restantes?”

“Eu digo-lhe para ficar com esses alunos, porque vêm lá da Sobreira, do bairro dos ciganos e dos bandidos. Eu não sei trabalhar com essa gente!”

“A senhora não sabe ensinar gente pobre?”

“Não! Não sei, caro colega.”

“Então, vá aprender.”

A minha formação de eletricista me traiu. Se eu não “soubesse” medir a impedância de um circuito de corrente alterna e o dissesse ao “encarregado do pessoal”, ele logo retrocaria:

“Se não sabes, aprende!”

Não restava alternativa: ou aprendia, ou aprendia. E, acaso me recusasse aprender, despedido seria.

Resta acrescentar que a idosa senhora era a esposa do Senhor Diretor. E o Diretor era informador da Polícia Política da Ditadura. Imaginai o que me aconteceu, só porque entrei naquela escola com o pé “esquerdo”.

Foi esse o primeiro sinal de alerta recebido de uma instituição, cujos antiéticos servidores se sentiam no direito de não aprender e de, impunemente, excluir. 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXII)

Serzedelo, 12 de janeiro de 2042

Aqui concluo a estória do Bino. Devereis estar lembrados da visita da senhora “bem vestida, bem cheirosa e aprumada”. Foi ela quem roubou o Bino à avó Zefa e o levou para bem longe. 

Sozinha, a avó Zefa não resistiu. Minada pelo álcool e pelo desgosto, se deixou morrer. Sem pastor, o que restava do rebanho foi arrematado pelo Luís Vendeiro. O Malhado foi servir outros senhores e o Bino transformou-se num degredado de fundo de sala de aula. 

No dizer da mestra, “o moço era coisa ruim e insubmissa e nem com porrada lá ia”. Entremeava sessões de palmatoada com fugas, invariavelmente, interrompidas pelas frequentes intervenções da “senhora bem cheirosa”. Acabou internado numa instituição da cidade grande. E, se a guarda conseguia surpreendê-lo nos montes, que ele tão bem conhecia, mais facilmente os agentes da autoridade o capturavam na cidade em que se perdia, em tantos lugares de se ocultar.

O Bino peregrinou por várias escolas, até chegar à Ponte. Com dez anos feitos, era transferido para uma escola de “última oportunidade”. À semelhança de muitos outros casos de “insucesso” que a essa escola aportaram, o “Bino Bouças” vinha recomendado por psicólogos e acompanhado por um grosso relatório de pedopsiquiatria. 

Apesar dos dez anos feitos, o Bino aparentava não ter mais de seis ou sete. Marcado pelo raquitismo, baixo, franzino, atarracado, parecendo não ter pescoço (como diziam alguns dos seus companheiros), juntou-se aos pequenos que vinham à escola pela primeira vez. Caminhava bamboleando-se, olhando de soslaio para tudo e para todos. A certa altura, um professor pensou que aquele miúdo de aparência frágil estava em apertos e à procura de uma casa de banho. Aproximou-se e, com extrema delicadeza, inquiriu:

“Precisas de alguma coisa, meu menino?”

A resposta, numa voz grossa e zangada, deixou o professor estupefacto:

“Ó chefe, estou à rasca. Onde é que se mija?”

Nos primeiros dias passados naquele novo e estranho mundo de aprender, ainda que o não soubesse, o Bino enfatizava o sentido lúdico da escola – o termo schola tem o significado etimológico de ócio… – embora fosse notado na hora do recreio pelo exagero na distribuição de pontapés e cuspo. 

O seu reportório de insultos era vasto. O impropério aplicado a preceito, na ponta da língua e da caneta, era uma das suas competências mais notadas, ainda que não constasse do currículo formal. Mas essa competência foi abalada numa assembleia em que se provou que os “palavrões” usados pelo Bino não constavam do dicionário. E, se não constavam, não existiam, pelo que a Assembleia deliberou que o Bino teria de repensar o seu discurso e refazer o repertório. 

O Bino esmerou-se. Passou por um processo de profunda reelaboração cultural e amiúde recorria à sinonímia, para gáudio dos companheiros e satisfação dos professores. 

Foi sinuoso o processo de transformação daquele jovem e pleno de contradições. Para que se perceba o trajeto de reparação dos danos por que o Bino passou naquela escola, transcrevo, a título de exemplo e entre muitos que poderia citar, um depoimento deixado pelo Bino Bouças na folha afixada no mural do “Acho Mal”: 

“Eu acho mal que os meninos vão à casa de banho defecar, que façam as necessidades e depois deixem o vaso todo cagado”.

Era uma vez… um jovem a que, por ser baixo e atarracado, apelidaram de “Bino Sem Pescoço”. Por via de desejo de suave vingança, ele não cuidava do vernáculo. Hoje, é um homem extraordinário, um ser humano dos mais sensíveis que conheço. Por pouco, não constou do rol de “marginais”, que a sociedade e a escola engendravam.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXI)

Vila Nova de Cerveira, 11 de janeiro de 2042

O Bino foi considerado “aluno incapaz de se adaptar à escola”. E, quando ingressou na Ponte, o relatório que o acompanhava avisava: 

“É um aluno que apresenta dificuldades de controlo dos impulsos agressivos e manifesta o maior desinteresse pelas aprendizagens escolares, para além de uma já evidente tendência para a aproximação ao álcool”

Pudera! O Bino fizera o tirocínio com a avó. E afiançava-me, muito tempo depois, que “aquilo nem era vinho, era uma zurrapa, porque a avó Zefa já tinha uma grande conta de assentar na mercearia, e na tasca já nem a podiam ver, e muito menos lho vendiam”.

Relutante às “aprendizagens escolares”, o Bino aprendeu a vida na busca de mantimento, que “a reforma da avó não chegava sequer para a pinga”. Especializara-se em assaltos a hortas e pomares. Aos quatro anos, era hábil na fisgada certeira e na ferradela pronta no braço do hortelão que o surpreendesse em flagrante. 

O Bino não conheceu pai nem mãe. Consumada a parição, a progenitora abalou para França, no rasto do presumível pai. Nunca mais deu notícia. Uma avó o acolheu num tugúrio de chão de terra batida.

O Bino cresceu entre maus-tratos e fomes de dias. Ao fim da tarde, engolia uma malga de “sopas de cavalo cansado”, enquanto aguardava a chegada da avó. Vinha, invariavelmente, embriagada e de terço na mão. Avistando-a, o Bino descalçava as botas de surrobeco herdadas do falecido avô e atirava-se para debaixo das mantas. 

Ao cabo do primeiro mistério, a avó já cabeceava, arrastava a voz na ave-maria e acabava por sucumbir aos alcoólicos eflúvios, adormecendo encostada ao seu ombro. O Bino deixava-se anestesiar pela respiração da velha e afundava-se num suave torpor, até de madrugada. 

A pequena leira em redor do casebre era pedregosa. Quase nem ervas cresciam, muito menos coisa semeada. De modo que o sustento e o “aquecimento central” do Bino e da avó Zefa eram as ovelhas do pequeno rebanho que com eles coabitava.

Sabemos que o brincar e o jogar são característicos de um tempo de expansão do conhecimento de si mesmo, do mundo e dos sistemas de comunicação. E que a infância acaba quando alguém reconhece que a sua vida deixou de ser um jogo maravilhoso, ou quando alguém proíbe outro alguém de brincar. O Bino soube-o quando a avó Zefa o fez levantar da cama, numa frígida madrugada, aos quatro anos mal feitos. 

Hoje, és tu quem leva as mequinhas ao monte, que eu não me tenho de pé. Deixa-te levar pelo Malhado, que lá chegas”.

E chegou. Pelo meio da tarde, o cão guiou o pequeno rebanho no regresso a casa, com o Bino a reboque, esfomeado e com os pés descalços fustigados pelos cardos. Nunca mais ficaria no aconchego das mantas para além do nascer do sol, e o Malhado viria a ser seu mestre e única companhia até aos sete anos de idade. 

Um dia, “uma senhora bem vestida, bem cheirosa e aprumada” (palavras que o Bino ditou) espreitou para dentro daquele tugúrio partilhado por animais e gente, e perguntou se a avó se chamava Josefa da Conceição. Disse vir da parte das autoridades e que as autoridades tinham mandado uma carta à avó do neto que a escola reclamava. A avó retorquiu que não senhor, que não tinha recebido carta coisa nenhuma e que, “ainda que tal cousa lhe chegasse, nenhuma serventia teria por das letras nada saber”.

De nada valeu a ladainha à avó que das letras nada sabia. O único proveito que a avó Zefa obteve da “senhora bem-vestida, bem cheirosa e aprumada” foi uma magra pensão de sobrevivência, tão magra que mal dava para encomendar meia dúzia de garrafões. 

Amanhã, vos contarei o restante da estória do Bino Bouças e de outros Binos.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLX)

Louredo, 10 de janeiro de 2042

Pelos idos de vinte, o meu amigo José Matias Alves “postou” no Facebook um texto encimado pelo título “Libertar a Escola da Ideologia Prisional”. Eis o que o José escreveu:

“Os alunos passaram a ser obrigados a estar mais tempo na escola. A ideologia da escola a tempo inteiro foi-se disseminando e naturalizando sob a pressão da desregulação e da escassez do tempo familiar. Paulatinamente, a escola foi sendo obrigado a ser tudo: lugar de instrução, de socialização, de estimulação; lugar de salvação para a progressiva desresponsabilização da sociedade, das famílias, das instituições sociais que operam no território; lugar de custódia, de guarda, de parque, de exílio.

Ora, este cenário é impossível de manter. A exploração do trabalho não pode minar toda a vida familiar e sobredeterminar a vida social (…) porque pode destruir a missão central da escola, que não pode deixar de ser a promoção do conhecimento que emancipa, inclui e liberta.

Há, claramente, um excesso de escola única, prescritiva, padronizada e coarta a liberdade de aprender. E que é preciso denunciar. Um excesso e uma imposição que transforma as crianças e os adolescentes em reféns de uma escolaridade obrigatória de natureza totalitária. E os professores em guardas quase prisionais.”

No janeiro de 2022, fui de Lisboa a Braga, na intenção de ajudar a libertar as escolas e as comunidades da “ideologia prisional”. Na estação do trem, esperava-me uma notável pianista, a Jaqueline, acompanhada de um excelente cozinheiro, o João. Dois jovens emigrados na Alemanha, que voltaram à pátria para ajudar o seu povo a libertar-se da “ideologia prisional”.

Depois de um opíparo jantar minhoto, servido pela Maria e pelo António, rumei a Vieira do Minho. Na sede do agrupamento de escolas, reuni com o Fernando, a Glória e outros educadores. E voltei à estrada, numa rota que bem conhecia, do tempo em que, no meu carrinho em segunda mão, ia ajudar o meu amigo Tozé a transformar a educação de Montalegre. 

Quando, no início dos anos noventa, passava pelo Sudro, a caminho de Montalegre, não suspeitava de que, na encosta protetora do Cávado, uma comunidade resistia ao desgaste do tempo e de uma modernidade tardia. Por essa altura nasciam aqueles que fui encontrar no início dos anos vinte. Era gente jovem e outra menos jovem, tinham em comum o amor à terra e a consciência de que, pela educação, ali poderiam permanecer e melhorar a trabalhosa vida serrana.

Conversei com o António historiador, com o Padre José, com o Casimiro e outros familiares do João cozinheiro. Junto à lareira – lá fora, a temperatura andava perto dos zero graus – sentado num escano (para quem não saiba, trata-se de um banco com espaldar alto), saboreei pinhões, jeropiga, vinho tinto, acompanhando um belo almoço. 

O Ricardo e o João, dois jovens amigos, nos fizeram companhia na visita ao centro educativo do Cávado. Esses dois engenheiros manifestavam a generosa intenção de trocar a relação com máquinas pelo relacionamento com pessoas, aderindo a um projeto educacional. Na próxima cartinha, vos falarei do que foram os centros educativos e dos seus trágicos efeitos.

A Jaqueline chegara da Alemanha, para melhorar a vida do seu povo. Durante a passagem por Crasto, nunca parava de cantar. No dia de regressar, a Jaqueline trocou Bach por Jorge Palma. Acompanhei o seu cantar com o sentimento de que o meu tempo de estrada estava chegando ao fim, enquanto o daqueles jovens apenas começava: 

“Enquanto houver estrada para andar / A gente vai continuar / Enquanto houver ventos e mar / A gente não vai parar”.

 

Por: José Pacheco

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