Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXXX)

Mendes, 1 de fevereiro de 2042

A clarividência do Darcy conduzira-o à conclusão de que a crise da escola era um projeto engendrado por pessoas, cujos ações iam na contramão da história. Esse malfadado projeto de escola e sociedade estava escancarado nas alocuções de palestrantes de um congresso realizado entre janeiro e fevereiro de há vinte anos. 

Inscrevi-me. Escutei. Entre salamaleques e mútuos elogios, supostamente, se debatia a “educação básica”. Mas, de que “educação básica” se trataria? Eu apenas ouvia falar de “regresso às aulas”, de velhos “novos normais”, de “híbridos” e de outros paliativos instrucionistas. Estoicamente, escutei o “mais do mesmo” à mistura com alguns disparates. Quando a paciência se esgotou, desliguei. Restou inquietação: o que estariam o Celso, o Pedro e o António a fazer naquele “festival de horrores”?

Dez anos antes desse infeliz evento, a minha amiga Jaqueline organizara as velhas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Ela nos dizia que a escola, face às exigências da Educação Básica, precisava ser reinventada. Deveriam ser priorizados “processos capazes de gerar sujeitos inventivos, participativos, cooperativos, preparados para diversificadas inserções sociais, políticas, culturais, laborais e, ao mesmo tempo, capazes de intervir e problematizar as formas de produção e de vida”. A escola tinha, diante de si, o desafio de sua própria recriação, pois os rituais escolares eram “invenções de um determinado contexto sociocultural em movimento”. 

Projetos são compostos de valores, decorrem da adoção de princípios, traduzem visões de mundo, de sociedade e de… escola. Com base nesse pressuposto, a Jaqueline coordenou um programa chamado “Mais Educação”. A proposta educacional da escola de tempo integral visava “promover a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar e cuidar (…) alcançar a melhoria da qualidade da aprendizagem e da convivência social, e diminuir as diferenças de acesso ao conhecimento e aos bens culturais, em especial entre as populações socialmente mais vulneráveis”.

No tempo em que a palavra era fonte de mal-entendidos, se eu pronunciasse a palavra “escolas”, a maioria dos meus ouvintes, mentalmente, representava as “escolas” como prédios feitos de salas de aula e solidões. E eu pretendia que compreendessem que escolas eram pessoas jamais sozinhas. Se eu pronunciasse a palavra “projeto”, entenderiam que eu não estava a referir-me ao plantar uma horta, muito menos a uma “aula de meditação” de um “projeto para apaziguar hipercinéticos”? Face à dificuldade de me fazer entender, resolvi redigir um glossário. Eis como definia “escolas” e “projeto”.

“Escolas” são pessoas, que aprendem umas com as outras. que aprendem no contexto de uma organização social dotada de autonomia, em todo e qualquer lugar com potencial educativo. Pessoas aprendem na intersubjetividade, no vínculo estabelecido com um objeto de estudo e com mediadores. 

Implícita ou explicitamente, as pessoas são os seus valores. Estes, quando transmutados em princípios de ação, são geradores de projetos. E, em espaços de aprendizagem, dentro e fora de um edifício escolar, pessoas empreendem caminhos de reelaboração da sua cultura pessoal e profissional. 

No último dia de janeiro de vinte e dois, fui até ao lugar onde Darcy, quarenta anos antes, lançara o seu projeto de Educação Básica. Fui ajudar a Maria Paula e os professores de Mendes a retomar o rumo sugerido pela Jaqueline, e a celebrar o legado de Darcy. 

 

Por: José Pacheco

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