Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCIII)

Vila das Aves, 26 de fevereiro de 2042

“Ultimamente, tenho pensado sobre quão distante está a escola que eu tanto sonho e pela qual tanto luto, resisto. E, como eu, muitos outros. Não que eu não seja grata e feliz pelo privilégio de aprender com meu grupo de estudantes, mas dói profundamente e até cai uma lágrima, de repente, ao ver o quanto tudo poderia ser mais respeitoso à inteligência, sensibilidade e criatividade das crianças.

Tenho acompanhado muita “publicidade pedagógica”, frases muito bonitas, falsas democracias, práticas inadequadas e maquiadas pela ilusão de uma salvação pela tecnologia. Ao pensar sobre tudo isso, percebo que as diferentes esferas da gestão escolar e educacional, são de fato administradores de escola esquecidos de que a escola deve ser vivenciada conforme as Ciências da Educação. Não se trata de fazer fechar contas no financeiro da prefeitura, ou pintar paredes e arrumar a desordem de maus gestores do passado. Vai muito além disso.

O que queremos na escola, se até mesmo mudar a posição das carteiras ou sujar o chão de terra se torna um problema? 

Não venho trazer crítica pela crítica, mas sim compartilhar um sentimento que muito pesa em mim, por viver décadas ouvindo discursos de democracia, mas quando pensamos e queremos democracia, os egos de gestores, “patrões” poderosos e dominadores, sempre nos ferem, boicotam as práticas. E falo de escola pública! São 20 anos vendo isso acontecer comigo e com colegas não é uma simples queixa, é vivência. 

A última vez que questionei algumas questões sobre o trabalho, depois de enviar inúmeras sugestões à escola para pensar soluções e sem ter nenhuma resposta, a secretaria de educação enviou uma servidora, que ocupa o cargo de diretora regional de várias escolas, para me colocar no meu lugar e esclarecer qual é a minha função, sem nem ao menos conhecer meu trabalho. 

Naquele dia, eu estava com uma pilha de atividades das crianças no meu colo para levar para casa e acompanhar os registros, inclusive estava com meu planejamento e, depois de ouvir o que ela estava dizendo em um tom de voz autoritário, eu ofereci para ela ver, conhecer minha prática, que eu falasse sobre o trabalho. Ela simplesmente se recusou. 

Não fez sequer um esforço para saber sobre o que eu estava falando, apenas tinha chegado na escola com informações dadas pelas gestoras, as quais nem me tinham informado sobre a reunião com a secretaria de educação

A moça saiu sem nem se despedir de mim. Daquele dia em diante, tive que acatar as “orientações pedagógicas” da moça e mudar toda minha prática, até o final do ano. Muitos pais de alunos fizeram perguntas sobre o que tinha acontecido, por que o jeito de fazer tinha mudado. Nem responder eu podia”.

Hoje, se completam vinte anos sobre a data em que reencaminhei para amigos a mensagem recebida da professora B.  Perguntei a esses amigos, se iriam deixar essa professora exposta a violências. Pedi-lhes que, no ano do centenário de Darcy Ribeiro, cessassem o bizantino blá, blá, blá sobre a vida e obra desse Mestre e que subissem ao chão da escola, praticando Darcy. 

A situação da professora B. era semelhante à de outros educadores sujeitos à sanha autoritária da administração educacional. Valia-lhes a decisão de secretarias de educação e de grupamentos de escolas dotados de gestores éticos. 

Nas duas margens do Atlântico, uma incontível caminhada nos conduziria à humanização do ato de aprender e ensinar. Celebrar Darcy não consistiria em palestrar em congressos, ou teorizar Darcy em teses e “papers”. Seria cumprir o seu projeto, no chão das escolas e universidades.

 

Por: José Pacheco

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