Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCIV)

Dornelas do Zêzere, 27 de fevereiro de 2042

No final da primeira das pandemias deste século, aquando de uma tentativa da “recuperação” de perdas e danos apoiada por generoso financiamento comunitário, os municípios portugueses foram convidados para candidaturas em diversos âmbitos de atuação: social, saúde, desporto, ambiente, promoção de sucesso escolar, etc. 

As ações candidatas no domínio da educação, aquelas de que tive conhecimento, denotavam a sua origem. Os técnicos especialistas na captação de recursos fizeram um bom serviço. Porém, a visão de mundo dos “especialistas” e o conceito de educação que os processos refletiam eram mais do que retrógrados. Falavam de inovação, de transformação, de mudança nas escolas, mas os projetos nada tinham de transformação ou inovação. 

Os seus autores não dispunham de um mínimo entendimento do alcance das suas propostas. Havia quem propusesse a implementação de tutorias, a criação de assembleias de escola, a introdução de “metodologias ativas” e de plataformas digitais de aprendizagem. 

Nesse tempo, diretores esperavam que os jovens sem qualificação profissional atingissem os 15 anos em constantes reprovações e saíssem para cursos profissionais em escolas privadas, para “aliviar” o “sistema”. Havia quem recomendasse cursos vocacionais para jovens em risco de abandono escolar e a formação de diretores em novos modelos de gestão e de organização escolar.

Os projetos lançados pelo ministério duravam enquanto havia dinheiro para os manter. Eram “supervisionados” por doutorandos inexperientes e doutores ignorantes de novas práticas. Eu lamentava que alguns amigos colaborassem com tais iniciativas e que os projetos terminassem sem avaliação dos seus efeitos. Dois anos antes, por exemplo, o projeto de “autonomia e flexibilização curricular” revelara-se um fiasco, e muitas escolas já se mostravam relutantes à participação em novos projetos. 

Nas duas margens do Atlântico, com e-commerce e stories, mágicas soluções enxameavam a Internet:

“Venha conhecer a nossa plataforma de conteúdos para apoio pedagógico a professores. Encontra artigos, e-books, livros digitais. Acesse! Utilize todos os recursos. São materiais produzidos para auxiliar o professor a enfrentar as dificuldades do cotidiano escolar, com sucesso. Para mais informações, entre em contato com os nossos assessores pedagógicos”.

“Se tem dificuldade de disciplina em sala de aula. Se tem dificuldade
em preparar os seus planos de aulas. Se não sabe por onde começar. Se está sem ideias do que fazer com os seus alunos. Se não tem tanta habilidade criativa
para jogos infantis. Se não sabe quais as atividades a aplicar…”

Como sempre acontecia quando “cheirava a dinheiro fresco”, aliciantes produtos eram oferecidos às escolas por abutres “inovadores”. Municípios e diretores os compravam avulso, na expectativa de que esses paliativos fossem diferentes dos anteriormente comprados. Era imenso o mercado educacional do desperdício. A compra e venda de inutilidades, desde projetos “pronto-a-vestir” a plataformas instrucionistas era lucro de empresas e dilapidação do erário público. 

Ninguém perguntava aos professores se estavam satisfeitos. Nem se perguntava aos alunos se estavam felizes, se comeram na noite anterior, se tinham aprendido alguma coisa. Não se verificava a efetiva concretização de planos de atividades aprovados num ridículo conselho geral, instância corporativa, que, supostamente, avaliava o desempenho de um diretor, que, supostamente, monitorava um projeto.

 

Por: José Pacheco

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