Guarulhos, 17 de fevereiro de 2042
Hoje, já ninguém se recorda do que era a escola dos idos de vinte. Nesse tempo, estava escrito no “Aurélio” que escola era “estabelecimento público ou privado onde se ministra ensino coletivo”. Efetivamente, as escolas eram coletivos de solidões. E o vosso avô, que participara de coletivos solidários recebia denúncias e apelos:
“Nas escolas por onde passei eu estava a empedrecer” Os dias que correm são duros, muito por obra e graça do talibanismo de certos “professores.”
A Denise colocava a palavra “professores” entre aspas. Naquele tempo, havia professores e “professores” eivados de viciosos fundamentalismos, presumindo que a escola sempre fora assim e assim continuaria a ser.
Eu escutava professores sem aspas. Como o Carlos:
“Ao regressar à escola, deparei com uma realidade estagnada no tempo. Deparei com uma escola culturalmente insignificante para as crianças. Deparei com um mundo que eu julgava ultrapassado. O que mais me espantou foi a falta de profissionalismo dos professores e a sua ligeireza de comportamentos! Fiquei siderado com coisas a que assisti e outras que vim a saber. Percebi que, no tempo que estive afastado da escola, defendi, frequentemente, autênticos assassinos de futuros. No entanto, foi mais que óptimo sentir aquele prazer diário de voltar à escola!!! Sentir-me um Peter Pan que, todos os dias, mergulha num mundo mágico e leva consigo a Fada Oriana para mostrar às crianças que há outra escola na escola. Pensei que uma nova escola se poderia construir rapidamente e em qualquer lado. Daí que, ao fim de pouco tempo, tenha ficado ligeiramente desanimado. Há séculos a percorrer. Mas lembrei-me de um poema da Clarice Lispector, que nos diz que mais importante que a velocidade é a direção. E fui construindo um caminho feito de pequeninos passos, quantas vezes feitos de pequenos desânimos”.
Muitas escolas eram lugares habitados por sombras e rituais cinzentos. Era sabido que qualquer mudança só seria possível com os professores que tínhamos (com aspas e sem aspas), que a mudança aconteceria quando os professores quisessem. Também sabíamos que havia quem não quisesse e se arrogasse do direito de não querer. Que dizer aos professores lesados pelos que “não queriam”? Que dizer à Laura, que me escrevia, indignada:
“Nesta escola, eu estou a empedrecer. Vê lá tu que um aluno – o Alex – ficou sem intervalo e sem aula de Educação Física. Foi mandado, de castigo, para a Biblioteca. Só porque a professora não quis saber por que razão o aluno não tinha feito os deveres de casa.
O aluno passava a noite na rua, catando papelão. Neste ano, já mudaram de turma quatro alunos. E mandaram outros quatro para outras escolas. A diretora da escola mandou um “convite” à mãe do Alex, para que ela o mudasse para outra escola. Um “convite”! Que cobardia!
Ficou um clima difícil de aguentar, quando eu defendi os direitos do Alex. Ele estava sendo maltratado pela professora da sua classe, só porque “não acompanhava a turma”. Ameaçaram-me por eu o ter defendido. E perguntaram-me se eu o queria na minha turma. Eu respondi que sim. E, no dia seguinte, ele já estava na minha sala.
Até hoje, o Alex nunca me desrespeitou. Eu encontro sempre um tempo para o ajudar”.
Educadoras como a Laura faziam-me sentir orgulhoso de ser professor. Eram merecedores da solidária ajuda de um frágil aposentado. No 17 de fevereiro de há vinte anos, enviei a professores éticos, como a Laura e o Carlos, um convite para uma caminhada, rumo a uma nova construção social de educação. Partimos, idealizando o real, realizando o ideal.
Por: José Pacheco