Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXL)

Santo Tirso, 6 de abril de 2042

A sociedade entregue à sua auto decomposição e a crises de aceleração da História, de que era exemplo a guerra na Ucrânia, agonizava em lutos de fim de século, já não possuía um sentido único de mudança. Os círculos de aprendizagem introduziam algo novo. Não havia separação entre formal e informal, e era contemplada a multidimensionalidade do ser, pois, onde não houvesse espaço para a emoção, a formação seria uma monstruosidade.

Como postulavam o Pineau e o Furter, os limites, as fronteiras físicas e psicológicas dos círculos de aprendizagem não eram estanques. Não eram linhas de delimitação, de separação, mas de comunicação. E nessas “interfaces” surgiram os “círculos de vizinhança” feitos de interculturalidade e transculturalidade, produtores de novas culturas, abertas, interrogativas, mais dialéticas do que culturas autossuficientes.

Nos círculos, se manifestava uma autonomia diversa daquela que, então, vigorava. Na contramão de uma regulamentação retrógrada, educadores usavam iniciar emancipatórios processos. Por que não poderiam os professores associar-se livremente? Havia quem se referisse aos círculos como grupos caóticos sem qualquer conteúdo formativo, incapazes de se autoavaliarem. Legalistas tentaram normatizar o “caos”. Mas, não conseguiram submeter uma utopia realizável e socialmente construída, desde há mais de cinquenta anos. 

Assente no princípio do isomorfismo, que nos dizia que o modo como o professor aprendia seria o modo como o professor ensinaria, os encontros de formação em círculo iam além do curso, assentavam em modalidades formativas emancipatórias. E a praxeologia conferia à experiência um estatuto de fonte de conhecimento. 

O tempo entre encontros era, também, de formação, porque a mudança, como diria Ardoino no seu “Propos actuels sur l’éducation”, não poderia ser promovida somente de fora, ao nível das superestruturas e dos decretos institucionais, se não fosse, ao mesmo tempo, no interior, pelas vozes daqueles que a ela aspiravam e que a iriam, finalmente, exercer. 

Como diria o meu saudoso amigo Steve Stoer, seria inútil formular projeções sócio-históricas, porque não havia na história dos profissionais da educação um futuro pré-determinado. O amanhã seria o resultado aproximado de opções tomadas no hic et nunc do chão de escola.

Vai para vinte anos, a Internet anunciava: 

“Debate sobre o centenário do sociólogo Darcy Ribeiro acontece nesta quarta-feira em Vassouras”. 

Nesse debate participaram a Magda e a Paula, secretárias de educação de Vassouras e de Mendes. Fora em Mendes que a caminhada de Darcy recomeçara, nos idos de 1983. Entre Mendes, Vassouras e Maricá de celebrou a indignação de Darcy, se esboçou um projeto com a participação de centenas de educadores, que percorreram caminhos de Anísio e Agostinho, para celebrar Darcy. 

Celebrar Darcy não poderia consistir apenas em dissertar sobre o Mestre e sua obra. Seria antes atualizar e cumprir o seu projeto. Na assunção desse princípio, nas duas margens do Atlântico, algo novo e imparável acontecia: o questionamento de “verdades eternas”, a indagação da origem de “instaladas culturas”. Por que não produzir teoria na prática (ou na práxis, melhor dizendo)?

Se as teorizações de teorias dos cientistas da educação não fertilizavam as práticas, se o ensino “superior” não contribuía para se efetuar mudanças, restava ao ensino “inferior” fazê-lo. Assim se fez, discretamente, à margem das reformas habituais, em processos de autoformação, em coletivos auto-organizados. 

 

Por: José Pacheco

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