Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXXXIX)

Caldas das Taipas, 5 de abril de 2042

Por volta de abril há vinte anos, andava o vosso avô por terras de Entre-Douro-e-Minho, enquanto ia compondo aquilo que, hoje, dizem constituir a base (mais ou menos) teórica das comunidades de aprendizagem. Tentava descrever o que seria um círculo de aprendizagem, um dispositivo central de uma nova construção social. Naquele tempo, muitos educadores o introduziram nas suas práticas, a duras penas, pois era grande a intolerância à inovação. Já havia “denúncias anónimas”…

O dito suporte teórico era construído sobre práxis efetivas, que eu acompanhava num processo formativo. Ao instituir a figura de professor-tutor e ensaiar as primeiras tutorias de um-para-um, os educadores formulavam questões, que mais não eram do que assumidas “dificuldades de ensinagem”. Dialogicamante, pela via dialogia freireana, aconteceu ação, reflexão, consstrução de teoria, tão “naturalmente”, quanto o sentia Alberto Caeiro:

“Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto; mas acho que isto deve estar bem, porque o penso sem esforço, porque o digo como as minhas palavras o dizem”.

Aprendemos a lidar com o incerto e com contradições. No tempo escasso que sobejava de sete horas diárias de trabalho direto com as crianças da Ponte, entremeava três ou quatro horas semanais de aprendiz de construtor de círculos de aprendizagem. Praxeológicos passos provocavam, em momentos de encontro e no labor ainda em sala de aula. Partíamos daquilo que éramos e sabíamos fazer –  “dar aula”, Para desclausurar a aula.

A nova “aula” justificar-se-ia, quando o discípulo estivesse pronto e o mestre surgisse para o acompanhar. Na Ponte, as crianças deram o nome de “aula direta” ao novo dispositivo. Muitos anos depois, alguém reinventou mais uma “roda da educação”, vendendo a granel algo semelhante, que dava pelo nome de “aula invertida”. E inseriram esse paliativo num outro outro paliativo, a que chamaram “ensino híbrido”, algo originalmente designado por “aprendizagem misturada” (Blended Learning).

O amigo Tião definiu a escolaridade obrigatória como o serviço militar obrigatório aos seis anos. E compreenderamos que pouco se ensinava e pouco se aprendia nas mais de mil horas passadas, anualmente, dentro de uma sala de aula, nos doze anos de escolaridade obrigatória. 

A Escola da Modernidade nascera nos estados-nação europeus, que se afirmaram e, em guerras, se consolidaram, entre os séculos XVIII e XIX. Como todo mundo sabe (ou toda a gente sabe, em Portugal), teve origem na Prússia Militar, na Inglaterra da Primeira Revolução Industrial e nos conventos franceses. Nasceu enclausurada, inspirada numa das instituições mais respeitadas na França do século XIX: o convento.

A “aula” passou do “pátio” para o interior das igrejas e daí para dentro de “celas de aula” de janelas estreitas e abertas bem acima da estatura dos alunos, num frontal anônimo controlado por um professor. A “tia” (como chamavam às professoras) era definida nos compêncdios de Etologia como a macaca que não podia procriar, porque tinha de cuidar dos filhos dos macacos que morriam”. Solitárias, as enclausuradas mestras estabeleciam um vazio constituttivo com os seus “alunos” – numa das origens etimológicas, os não-iluminados – e aplicavam as “regras” em que tinham sido industriadas. 

Responsavelmente, na tutoria um-para-um, sem fazer dos seus alunos cobaias de laboratório, professores romperam com essa “tradição” sem sentido. E a criação de círculos de aprendizagem foi o primeiro passo para a todos garantir o direito à educação. 

 

Por: José Pacheco 

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