Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCL)

Torres Vedras,17 de abril de 2042

Aqui vai mais uma cartinha. Com um beijo e votos de uma semana feita de Paz. Precisaremos de a perseverar, não esquecer os trágicos episódios de há vinte anos, que o amigo Antônio assim comentava:

“O horror, o horror” são palavras que surgem no livro “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, um impressionante relato de como o Congo foi transformado no “coração das trevas” no fim do século XIX e começo do século XX, com o genocídio de 10 milhões de congoleses, perpetrado pelo rei Leopoldo II, da Bélgica. 

O livro deveria ser leitura obrigatória nas escolas. Traz reflexões morais e filosóficas sobre as irracionalidades e as sombras dos seres humanos. Ao mesmo tempo que criamos a arte e a beleza, construímos abismos escuros, lamaçais profundos, barbáries recorrentes. 

“O horror, o horror” é o que estamos vendo, impotentes e atônitos, nessa brutal Guerra da Ucrânia, causada por um tirano sociopata, que vem praticando crimes de guerra, contra a paz e a humanidade. Cidades fantasmas, verdadeiras Guernicas, se sucedem depois dos bombardeios, com rastros de atrocidades contra as populações civis. A Unicef calcula que mais da metade das crianças ucranianas, cerca de 4,5 milhões, foram deslocadas ou estão refugiadas, junto com os seus familiares. 

Nesta semana uma professora amiga me contou que os seus pequeninos alunos de educação infantil estavam curiosos para saber sobre os motivos da Guerra e entender as palavras “massacre” e “genocídio”. Ela abriu um debate com eles e uma das crianças comentou que “escolas deveriam tornar as pessoas mais humanas” e uma outra disse que a guerra “é o horror”! 

As crianças sabem tudo. Resignados na tristeza e na perplexidade, estamos assistindo, em pleno século XXI, ao “horror, o horror”!”

O amigo Antônio era um dos educadores da “equipe de coordenação” de um processo formativo, que decorreu nos idos de vinte. Completavam a equipe a Tina Carvalho, o Leonardo Palhares, a Maria Pedro, a Cléo Lima, a Cecília Pinheiro e a Inez Costa. Entretanto, a Janaína e a Fabi já estavam em Portugal, para, num fraterno gesto intercontinental, auxiliar educadores no desenvolvimento de projetos de mudança. Uma cultura de Paz era caldeada em processos formativos, amorosamente, modelados .

Os encontros de formação, simultaneamente, presenciais e remotos atestavam o princípio que nos dizia não ser possível ensinar um professor a ensinar. Banalizavam a determinação prévia de objetivos e comprovavam a imprevisibilidade dos processos formativos.

A praxeologia de que partíamos conferia à experiência um estatuto de fonte de conhecimento,  desiquilibrava a relação de poder entre formador e formando, anulava o monopólio da teoria. O pólo teórico e o pólo prático requeriam uma fusão experiencial. A “experiência” nos traía. A “formação experiencial” nos emancipava.

A certa altura de um dos encontros de formação, quando estávamos a aprender a elaborar roteiros de estudo, um incidente crítico nos mostrou como a mudança era difícil. Um professor interveio. Dirigi-lhe uma pergunta. Respondeu com o “achismo”: 

“Eu acho que…”

Recomendei que pesquisasse a resposta. Aquela que ele tinha dado não tinha qualquer fundamento. Disse-lhe que teria uma semana para pesquisar, encontrar a resposta. Exclamou:

“Não preciso pesquisar. Eu já sei a resposta!”

Com extrema paciência, lhe explicamos que a nossa cultura profissional carecia de reelaboração. Que nós dávamos respostas sem escutar perguntas. E que dávamos respostas padronizadas, do senso comum, que nem bom senso encerravam.

 

Por: José Pacheco

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