Braga, 29 de maio de 2042
Num dos seus mais conhecidos textos, o amigo Rubem colocou metáforas das mais felizes de quantas soube criar. Comparou professores com educadores, usando para isso as caraterísticas de duas árvores.
Utilizou o jequitibá para retratar o educador, indivíduo transformador da realidade, ser humano de espírito inquieto capaz de provocar a paixão pelo estudo, um provocador de reflexões. E o contrapôs ao eucalipto enfileirado, pronto para ser cortado, sem nenhuma perspectiva de mudança, uma árvore que não carregava vivências significativas, que apenas servia para alimentar a indústria do papel.
“Educadores, onde estarão? Em que covas se terão escondido? Professores há aos milhares. Mas o professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança.
Profissões e vocações são como plantas. Vicejam e florescem em nichos ecológicos, naquele conjunto precário de situações que as tornam possíveis e – quem sabe? – necessárias. Destruído esse habitat, a vida vai-se encolhendo, murchando, fica triste, mirra, entra para o fundo da terra, até sumir.
E o educador? Que terá acontecido com ele? Existirá ainda o nicho ecológico que torna possível a sua existência? Resta-lhe algum espaço? Será que alguém lhe concede a palavra ou lhe dá ouvidos?
É bem verdade que é possível plantar eucaliptos, essa raça sem vergonha, que cresce depressa, para substituir as velhas árvores seculares, que ninguém viu nascer nem plantou. Para certos gostos, fica até mais bonito: todos enfileirados, em permanente posição de sentido, preparados para o corte. E para o lucro (…) Os ventos não mais serão cavalgados por espíritos misteriosos, porque todos eles só falarão de cifras, financiamentos e negócios.
Pode ser que educadores sejam confundidos com professores, da mesma forma como se pode dizer. jequitibá e eucalipto, não é tudo árvore, madeira? No final, não dá tudo no mesmo?
Não, não dá tudo no mesmo, porque cada árvore é a revelação de um habitat, cada uma delas tem cidadania num mundo específico. A primeira, no mundo do mistério, a segunda, no mundo da organização, das instituições, das finanças.
Eu diria que os educadores são como as velhas árvores. Possuem uma face, um nome, uma “história” a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma “entidade” sui generis, portador de um nome, também de uma “história”, sofrendo tristezas e alimentando esperanças.”
O Rubem era “um homem que gostava de ipês”, como dissera uma criança. Mas também me recordo de o ter visto contemplando jequitibás, nas viagens que com ele fiz a Pocinhos de Rio Verde. Lá, entre seriemas e paineiras, conversávamos sobre os desfuturos da educação, mas ainda alimentando esperanças. De lá partíamos para novos encontros com jequitibás e eucaliptos.
Vai para vinte anos, o ministro da educação preocupava-se com a falta de professores. Propunha “sistema de quotas para professores doentes” e que “horários incompletos” também passassem “a ser renovados”. Queixava-se do ritmo de aposentações que deixava muitas turmas sem professores. Não se interrogava sobre a pertinência da organização da escola em turmas, apontava “a rigidez nas regras de contratação e substituição de docentes”, mas não as alterava.
O problema era estrutural, mas o ministério insistia em aplicar paliativos engendrados pelo “sistema”. Não se apercebia de que, se faltavam jequitibás, sobravam eucaliptos.
Por: José Pacheco