Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXV)

Abrantes, 13 de maio de 2042

Para o Mestre Edgar, a maior necessidade histórica era a de encontrar um método que detectasse e não ocultasse as ligações, as articulações, as solidariedades, as implicações, as interdependências, as complexidades.

Seguindo o conselho do Mestre, também aconselhava que não se segmentasse o processo de aprendizagem. Por isso e por ocultas razões, havia quem dissesse que o vosso avô praticava catequese pedagógica, que enviava mensagens subliminares em tudo o que escrevia. Talvez! Mas apenas falava e escrevia a teoria que se fazia. Não ocultava solidariedades, não me dessolidarizava. Desse modo, afirmava que a profissão de professor não era um ato solitário, deveria ser solidário. 

Na década de oitenta, um estudo publicado por uma universidade inventariava as condições do exercício da profissão docente, realçando o sentimento de solidão de muitos professores:

“Sinto muito o isolamento. Vou-me desmoralizando, vou deixando andar. Perdi iniciativa. Reconheço que num trabalho de grupo trabalharia melhor. Já quase faço parte do mobiliário. Estou quase todo o tempo sozinha”.

O isolamento físico e psicológico era uma constante, um isolamento que engendrava insegurança e fomentava individualismo. No contacto fortuito com colegas do mesmo ofício, com outras experiências e com outros saberes, sobravam atitudes de reserva, ou de objetiva recusa. 

Um texto publicado pelo G.E.P. repetia a conclusão do estudo académico:

“O receio de pedir ajuda para a resolução de problemas concretos, de trabalhar em equipa, de trocar experiências, de partilhar o vivido, o receio de se exporem, constituem-se em traços do perfil do profissional de ensino”.

Os professores sobreviviam hesitantes entre o cumprimento cego de normas e adaptações das normas. Nesse oscilar prevalecia a percepção do seu papel como agentes de mudança e da imagem de si-mesmos, da gestão e da tutela. E do estudo do quadro legal ressaltava, claramente, a complexidade do aparelho administrativo, que suportava a gestão da rede de ensino. 

Numa cadeia de decisões a escola não era uma unidade significativa de gestão, quer no que se referia ao domínio administrativo, quer no que se referia ao domínio pedagógico. Perpetuavam-se as estruturas centralizadoras da decisão que garantiam o controlo dos indivíduos, isoladamente. Esse controlo, parcimoniosamente exercido e raramente interrogado, originava quebra do sentido de  coletividade. 

Nos idos de oitenta, coordenei uma pesquisa envolvendo cerca de quatrocentos professores, no decurso da qual tive acesso a depoimentos deste tipo 

“A maior parte de nós trabalha sózinha há já muitos anos e, como tal, muitos vícios se foram adquirindo.”

“Um dos motivos desta minha grande insegurança é que tenho que fazer o trabalho sozinha; se tivesse mais alguém com quem pudesse trabalhar…”

Essa constatação serviu de aviso. E, no contexto do nosso subsistema de formação contínua, o espaço da formação em círculo de aprendizagem já não era o do professor considerado isoladamente, dado que o professor mantinha uma forte relação (também afectiva) de pertencimento a um grupo organizado. 

Aprendia-se com os outros, todos chamados ao papel de formador e de formando. O projecto pessoal de formação consubstancializava-se no projecto de formação de grupo. A formação era concomitante com a ação, era mudança refletida, humanização. 

Concretizava-se o triplo movimento de que vos falei em outra cartinha: “conhecimento na acção, reflexão na acção e sobre a reflexão na acção”. O Donald estava conosco.

Por: José Pacheco

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