Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXCVI)

Azeitão, 4 de junho de 2042

Conheci a Sandra, o João e o Martim, num tempo em que já quase desistia de andarilhar. Acolheram-me num lar feito de simpatia e de saber cuidar, num lugar onde a Fabi se abrigou das intempéries da vida e se lançou na construção de comunidades.

No junho de há vinte anos, deixei a Fabi e a Jana na margem sul do Tejo, entregues aos seus destinos, e rumei ao norte, ao encontro do que restava da Escola da Ponte. O Fernando a descreveu de um modo bem peculiar, quando a viu “repensando o sentido do trabalho escolar”, em contraste com “a lógica de reforma como mecanismo inibidor da transformação da escola”: 

“A lógica de reforma é avessa às experiências inovadoras que escapam à sua obsessão pela uniformidade e pelo controlo. Ignorando o valor dessas experiências, a lógica de reforma impõe-lhes enquadramentos legais, aplica-lhes decisões e inviabiliza lhes projetos, acabando muitas vezes destruí-las.

Frequentemente, esses enquadramentos e decisões são apresentados como uma espécie de desígnio nacional, com base no argumento de que é necessário proceder a reformas. Acontece, porém, que, apesar da difusão de slogans como em cada escola fazer a reforma ou a escola no centro das políticas educativas e da retórica da autonomia da escola, da possibilidade de as escolas construírem um projeto educativo próprio, da necessidade da participação de todos os interessados no processo educativo, as reformas educativas conduzidas pelo Ministério da Educação têm-se desenvolvido quase sempre em função de crenças, interesses e estratégias muito particulares, parecendo por vezes mais o resultado de um capricho do que de um processo de produção de políticas públicas. 

Sendo, embora, apresentadas como reformas, as ditas decisões tornam-se, na realidade, muito voláteis. E é, em grande medida, esta volatilidade que está na origem do desalento que se vive hoje no interior das escolas, face à constatação de que essas reformas intensificaram o trabalho, mas não em benefício da construção de uma escola com sentido.

As reformas educativas são frequentemente apresentadas como um desígnio nacional, com base no argumento de que o país está atrasado, de que tem pela frente o desafio da modernização e de que é necessário proceder a reformas estruturais. 

Porém, as tecnologias políticas de reforma educacional não são apenas veículos para a mudança técnica e estrutural; são também mecanismos que contribuem para a mudança das subjetividades, das identidades e dos valores. 

Sob a aparência de liberdade criada pela retórica da devolução de poderes, da flexibilidade e da autonomia, emergem novas formas de controlo que impregnam as subjetividades dos professores e afetam as condições de trabalho e de vida nas escolas. Estas tecnologias – o mercado, o gerencialismo e, particularmente, a performatividade –, põem em causa a colegialidade e a autenticidade dos professores.”

Com sábias palavras, o Fernando partia da experiência da Ponte, para construir uma argumentação capaz de demover o ministério de nefastas intenções. Apesar de descrever a Escola da Ponte como “símbolo de esperança e de coragem”, o seu olhar atento desocultava subtis processos de desconstrução que, mais tarde, viriam a revelar-se em autoritárias decisões ministeriais.

Nas primeiras duas décadas deste século, a pretexto de introduzir alterações no aparato legal e de relançar velhas reformas, a descaraterização do projeto da Ponte foi tentada e, em parte, conseguida por políticos sem escrúpulos apoiados pela administração educacional. 

E voltei à Ponte.

 

Por: José Pacheco

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