Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXCVII)

Montemor-o- Novo, 5 de junho de 2042

Em cartinhas anteriores, manifestei temor de escrever a história de uma escola, que ajudei a construir. Temia ser inexato, vê-la com olhos viciados de emoção. Muito menos, desejaria misturar a imaginação à descrição de uma pedagógica viagem de mais de meio século. Por isso, deixei que fossem outros a definir lhe os contornos – olhares externos eram, muitas vezes, mais aguçados do que os meus. 

É por isso que ouso, mais uma vez, convidar o Fernando para contar as “impressões” das suas visitas à Ponte e os estudos que por lá fez. 

“O tipo de investigação que tenho privilegiado nos últimos anos – a pesquisa etnográfica – tem-me permitido manter um contacto e uma presença direta e prolongada em contextos educativos concretos, de envolvimento em projetos, de participação em ações de formação, de visitas a escolas, de entrevistas com alunos, professores, pais, autarcas, gestores escolares e outros atores educativos, que tenho construído um conhecimento por dentro da vida das escolas.

Mas nem sempre esse conhecimento tem sido fruto da investigação mais estruturada e planificada. Frequentemente, tem sido nas situações mais informais, de conversa com as pessoas, nas quais escuto, mais do que faço perguntas, que esse mundo se revela com maior clareza. 

A cultura da performatividade competitiva gera sentimentos de culpa, incerteza e insegurança ontológica: 

Estarei a trabalhar bem? Estarei a trabalhar o suficiente? Estarei a trabalhar no sentido certo? Será isto que querem que eu faça?” 

Ora, esta insegurança tende a gerar uma fantasia encenada para ser vista e avaliada; o espetáculo e a opacidade tendem a sobrepor-se à transparência e à autenticidade. 

Estes mecanismos têm gerado a ideia, no interior das escolas e entre os professores, de que as mudanças educativas lhes são exteriores. Isto é, tendem a ser encaradas como assuntos de gestão e da exclusiva responsabilidade dos administradores e dos gestores, em relação às quais os professores que trabalham quotidianamente com os alunos parecem considerar-se alheios ou apenas atores secundários. 

A mudança tende a ser encarada como um mero jogo nominalista, como se não houvesse outra mudança para além da alteração dos nomes. É o caso, por exemplo, da passagem da área escola para a área de projeto, ou dos currículos alternativos para a gestão flexível do currículo

Mas estas mudanças não têm penetrado no âmago do trabalho escolar. Pelo contrário, o entendimento da mudança como uma mera alteração dos nomes é não apenas inibidor da transformação do trabalho pedagógico como é também legitimador da conservação das práticas tradicionais. Isto é, para sobreviverem profissional e institucionalmente no clima de urgência criado pelas reformas educativas, as escolas e os professores tendem a esconder as suas práticas e a preocupar-se mais com a produção de discursos pedagogicamente corretos em conformidade com os temas do momento das reformas educativas.

A caracterização que António Nóvoa fez da situação atual dos professores e da educação escolar é bastante elucidativa. O período recente tem sido marcado, como diz, pelo «excesso de discursos» e pela «pobreza das práticas» e por um pensamento que se projeta num «excesso de futuro» como forma de justificar um «défice de presente»

O amigo Nóvoa isso escrevera em 1999! Nos idos de vinte, as suas palavras mantinham-se atuais. Em Portugal, era divulgado o relatório do projeto de “Autonomia e Flexibilização Curricular”. Na Unesco se dava a conhecer um relatório sobre os “Futuros da Educação”.

 

Por: José Pacheco

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