Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMI)

Agualva-Cacém, 9 de junho de 2042

Quando se tratava de ajudar a preparar projetos de comunidade, os contatos tinham de ser feitos presencialmente, “olho no olho”, que o não-verbal pouco se enxergava na tela de um computador, em rostos projetados nos retangulozinhos dos encontros virtuais. Eu precisava de sentir verdade nas intenções.

Acreditando nas intenções e na generosidade da Conceição e da Isabel, fui até Mira Sintra. Por lá, me apercebi de que era genuíno o propósito de mudança. E me senti como o aprendiz de inovações que fui, na década de setenta. 

Foi no junho de há vinte anos, que preparei materiais e um convite dirigido a educadores éticos – que ainda os havia! – para um ano de transformações com vista à fundação de uma nova construção social de aprendizagem e educação.

Por essa altura, vieram à memória as falas de quem nos visitava, quando atravessávamos um período de idênticas e profundas transformações. Era evidente a surpresa expressa no rosto dos educadores-visitantes e nos seus depoimentos. Na década de noventa, foi a vez de governantes e pesquisadores encontrarem na Ponte matéria para realização de mestrados e doutoramentos.

Nas últimas cartinhas, tenho optado por dar voz a esses ilustres visitantes. Desta feita, conhecereis a Ponte pela voz da Teresa Vasconcelos. O texto que nos enviou tinha por título: “Para que não interrompamos o projeto”. Começava por citar Ítalo Calvino. Do livro “As Cidades Invisíveis” extraíra este naco de prosa:

“À pergunta: — Por que demora tanto tempo a construção de Tecla? — os habitantes, sem deixarem de içar baldes, de soltar fios de prumo, de mover para baixo e para cima longas trinchas, respondem: — Para que não comece a destruição.

Que sentido tem o vosso construir? Pergunta (alguém). Qual é o fim de uma cidade em construção senão uma cidade? Onde está o plano que seguem, o projeto? Mostrar-to-emos assim que acabar o dia; agora não podemos interromper-nos — respondem.”

Numa escrita sensível, a Teresa assim continuava: 

“Foi na semana por Jorge Sampaio dedicada à educação: 18 a 24 de janeiro de 1998. Exercia então funções como Diretora-Geral da Educação Básica. No dia 19, 2ª feira, telefonaram-me para o Porto, onde me encontrava em serviço, para que, na manhã seguinte, integrasse a comitiva do Senhor Presidente, no dia por ele dedicado ao tema Cumprir a Escolaridade Obrigatória

Assim, manhãzinha cinzenta e nevoenta de 3ª feira, visitávamos a Escola nº 1 de Vila das Aves, conhecida entre nós pela Escola da Ponte, fazendo parte integrante do programa a participação de Jorge Sampaio na Assembleia de Escola. 

Como etnógrafa das coisas da educação que sou, independentemente das funções que então desempenhava, acompanhei a comitiva, mas fui-me deixando ficar discretamente para trás, pois sempre detestei os atropelos deste tipo de visitas em que as pessoas se acotovelam para ficar junto dos ilustres e, consequentemente, na mira dos jornalistas, prestando bem pouca atenção ao contexto. 

Penso que a intenção do Senhor Presidente ao convidar uma responsável da administração educativa para integrar a comitiva era que eu aprendesse com a visita e, eventualmente, me deixasse interpelar pelo que via. Remeti-me, pois, a um lugar discreto e visitei a escola contra a corrente, isto é, procurando os espaços menos invadidos pela horda de acompanhantes e onde poderia escutar aquilo que a escola e os seus habitantes tinham para me dizer. Dessa visita relembro, ainda hoje, alguns flashes etnográficos.

Amanhã, vos darei a conhecer os “flashes” que, discretamente, a Teresa colheu.

 

Por: José Pacheco

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