Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMVI)

Montelo, 14 de junho de 2042

Foram frutuosos dias aqueles que passei na terra dos milagres. Na Cova da Iria de há cem anos, três crianças disseram ter ouvido profecias apocalípticas, numa aparição da Virgem Maria e, pelo junho de há vinte anos, já tinham sido desvendados os chamados “segredos de Fátima”. No século passado, educadores viajavam para Portugal, para ir a Fátima e à Ponte. Mas, quando os visitantes diziam ser aquela escola um verdadeiro milagre, ignoravam o “segredo”, que lhe assegurara sucesso e continuidade. 

Decorridas algumas décadas, aqueles que, com o mesmo propósito, rumavam a lusas terras, percebiam que, enquanto a cidade de Fátima prosperava, o “milagre” da Ponte estiolava. A escola havia sido alvo de agressões sem conta. Por ter sido a primeira das escolas a centrar o processo de aprendizagem no aluno, sofreu o desgaste dos maldizentes, que falavam daquilo que a Ponte não tinha – aula, turma, diretor… – mas não diziam o que ela tinha, não conseguiam desvendar o “segredo”.

“Segredo” não havia. Apenas tinha acontecido uma “mudança genética” no sistema de ensino, que a todos tinha propiciado o direito à educação. E, na Internet, assim se comentava as maldizentes críticas dessa inovação:

“Como se diz prosaicamente, mandar “bocas” é cultivado por algumas pessoas sem pudor. O que sempre me preocupa mais é o facto de serem pessoas com escolaridade avançada que deviam saber corresponder às exigências do saber.

É verdade. A ideologia cega-os. Temos de os ajudar. Porque é importante gerar compomissos…

Se colocarmos a questão no plano dos chamados “opinion makers” (certo jornalismo e a generalidade dos “comentadores”), eu diria que o panorama é mesmo desgraçado e desanimador! Não sei (e não quero afirmar nada para não “morrer o peixe pela boca”!), não sei se o grande desafio à Escola, hoje, não será lutar contra um enorme muro de opacidade(s) feito de “realidades alternativas” incessantemente fabricadas e militantemente difundidas. Não sei…

Se a Escola se concentrar na aprendizagem dos alunos e promover o pensamento crítico, dará um contributo importante para que as pessoas estejam melhor preparadas para analisar o que ouvem e o que veem. Por isso, Aprender a Pensar me parece tão importante. 

E às vezes “aprende-se” tarde a descobrir os despudorados mentirosos sem nenhuma ética e fica-se “boquiaberta”. Infelizmente, o número dos que os vão seguindo não é pequeno e causa muito desgaste a quem estuda

Pensava, por estes dias, sobre o facto de ser impossível juntar, numa mesma cabeça, o estudo consistente sobre as matérias da Educação (que é devido a todos os professores, mesmo aqueles que não optam por uma carreira de investigação) e a recusa em olhar para o caminho percorrido com esperança. Mas, a caravana passa e vai deixando aberto um trilho para que o sigam aqueles que acreditam. 

As pessoas podem e devem ter as suas opiniões, resultantes das suas experiências, mas ignorar o conhecimento produzido leva invariavelmente a leituras enviesadas das realidades.”

Por essa altura e por ter andado a deambular entre Portugal e Brasil, eu misturava duas versões da língua mãe, num brasilês reinventado. E li esta anotação, na margem do que estava escrito em papéis achados no baú das velharias: 

“Deliciosa “troca de figurinha”. Nada mais do que isso!” 

Fundada na lei e fundamentada nas ciências da educação, a Ponte resistia. Mas, nesses conturbados tempos, o que ainda prevalecia nos internéticos debates era o senso comum pedagógico, o achismo, a má língua. Segredo não havia, apenas árduo labor e profunda reflexão.

 

Por: José Pacheco

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