Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMVII)

Vale Travesso, 15 de junho de 2042

No início dos anos vinte, a Internet era pródiga em anúncios de “comunidades de aprendizagem”, iniciativas que de comunidade só tinham o nome. E de aprendizagem… cadê? Paralelamente, começou a tomar forma uma nova construção social de aprendizagem e de educação, sendo frequente escutar a pergunta:

“Afinal, o que é uma comunidade de aprendizagem?”

“Não sei. Ainda não vi uma sequer” – respondia. Como explicar o outro lado da Lua? O que poderia era, tão só, tentar descrever um constructo teórico. E dar início a transformações essenciais, em que às propostas do paradigma da aprendizagem se adicionasse o que de útil pudesse manter-se do modelo instrucionista, juntando-lhe práticas radicadas no paradigma da comunicação.

Em teoria, comunidades eram pessoas. Pessoas que partilhavam valores e uma peculiar visão de mundo. Pessoas que habitavam um território físico, psicológico, social, político, virtual, espiritual… Pessoas com necessidades, desejos, sonhos, problemas comuns, que definiam princípios de ação e os desenvolviam em projetos. Pessoas que detinham saberes populares, que possuíam o domínio de tecnologias sociais adaptadas ao contexto de vida. Gente que decidia produzir conhecimento e partilhá-lo, melhorando a vida das gentes dos coletivos em que se integravam. Pessoas que optavam por bem-viver.

No tempo em que começavam a despontar protótipos de comunidade, o vosso avô partilhava textinhos de subliminar propagação de teoria, sem recurso ao jargão científico. Aqui vos deixo um exemplo dessa arteira prática, nas palavras de Alberto Acosta.

“Um sistema com desigualdades gritantes sobrevive há séculos, com o apoio de milhões e a subordinação de bilhões. Agora, nos conduz ao suicídio coletivo. As promessas do progresso, feitas há mais de quinhentos anos, e as do desenvolvimento, que ganharam o mundo a partir da década de 1950, não se cumpriram. E não se cumprirão.” 

O equatoriano Acosta resgatava o conceito de sumak kawsay, de origem kíchwa, que nos propunha uma ruptura civilizatória decalque da utopia do Bem Viver. Em tempos distópicos, urgia construir sociedades verdadeiramente solidárias e sustentáveis.

Naquele tempo, se o Freud tudo explicava, a Wikipédia para tudo tinha resposta. Foi lá que colhi a expicação. O “sumak kawsay” era uma proposta que se fundamentava em cinco princípios: 1) sem conhecimento ou sabedoria não há vida (Tucu Yachay); 2) todos surgimos da mãe terra (Pacha Mama); 3) a vida é plena (hambi kawsay); 4) a vida é coletiva (sumak kamaña); e todos temos ideais ou sonhos (Hatun Muskuy). 

O Bem Viver, enquanto filosofia de vida, era um projeto libertador e tolerante, sem preconceitos nem dogmas, baseado em pilares como: relacionalidade, que se refere à interpretação de haver uma interconexão de todos elementos que juntos compõem um só, o “todo”; reciprocidade, entendida como uma relação recíproca e coparticipava entre os mundos superiores, inferiores e o mundo atual, e entre humanos e natureza; correspondência, que vê os elementos da realidade se corresponderem de uma maneira harmoniosa, a maneira de proporcionalidade; de complementaridade, que se baseia na ideia de que os opostos podem ser complementares, já que nada é incontornável.”

De que modo esses princípios se concretizavam no campo educacional, na escola? – inistiam em perguntar. 

No ano letivo em que surgiram os primeiros protótipos de comunidade de aprendizagem, encontramos resposta para esse e outros questionamentos. Disso vos falarei em próximas cartinhas.

 

Por: José Pacheco

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