Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXLIV)

Freixo do Meio, 24 de julho de 2042

Vai para trinta anos, Lauro nos deixou órfãos de sabedoria. Recordo o ambiente de consternação, naquela manhã de janeiro de 2013, quando o Projeto Âncora recebeu a triste notícia. 

Também recordo o dia em que tive conhecimento da existência desse Mestre. Estava reunido com mais de uma centena de professores, num hotel junto ao Aterro do Flamengo. Aproveitei o intervalo da manhã, para ir até às traseiras do Palácio do Catete, onde estava instalado um sebo de rua. Já tinha lido alguns clássicos da literatura brasileira e tentava compreender o Brasil através do Guimarães Rosa, apesar de o Darcy dizer que o Brasil não era para amadores, como se veio a confirmar, pois, quanto mais eu lia, menos o entendia.

Na visita ao sebo, já tinha apartado meia dúzia de livrinhos, quando o meu olho estrábico, sempre discreto e atento, visou outro livro “Escola Secundária Moderna”. Por mera curiosidade o abri. Por reverência o comprei. Era um dos maiores tratados de pedagogia, que eu pudera conhecer. Juntei-o à “Escola para a Comunidade”, ao “Piaget para Principiantes”, “Para que Servem as Escolas” e outras obras do insigne Mestre, que no sebo encontrei.

Quando voltei ao lugar onde decorria o encontro de professores, perguntei:

“Quem é este educador, o Lauro de Oliveira Lima?”

Nem um dos presentes tinha ouvido falar desse pedagogo.

No fim do dia, quando arrumava os meus materiais, a senhora da limpeza aproximou-se e disse-me:

“Eu vi que o Senhor Doutor perguntou pelo Senhor Lauro. Eu sei onde ele mora”.

No dia seguinte, fui até ao Recreio dos Bandeirantes. Na casa do Mestre e na “Chave do Tamanho”, na companhia da Beta, sua filha a conversa fluiu. Diria que não foi bem uma conversa, que foi mais uma escuta atenta aos seus ensinamentos. 

Piagetiano convicto, Lauro discorria sobre psicogénese. E daí, passava – confesso que por minha insistência… – a reiterar a sua definição de “comunidades”:

Divisões celulares da macroestrutura em microestruturas federalizadas num conjunto maior, mais complexas, que facilitam o encontro entre pessoas, espaços-tempos de preservação da unidade da pessoa, em lugar de dividir a pessoa para assegurar a unidade da sociedade”.

Até aos idos de vinte, tentei manter esta definição em aberto. Precisaríamos da caução de novas práxis, para a fechar. Mas, não foi possível obstar à proliferação de teses de doutoramento e de práticas caricaturais de “comunidade de aprendizagem”. Não foi possível obstar à propaganda de empresas e ao desnorte do conceito.

“Comunidade de Aprendizagem” era conceito de vasto espectro semântico:

“Comunidade de aprendizagem é um grupo que estabelece relações sociais, durante um determinado período, com o propósito de aprender um conceito de interesse comum; é uma estratégia que ajuda a superar os obstáculos para o ensino universitário eficaz; é um programa desenvolvido pela secretaria de educação”.

Era bem reducionista a ideia que se fazia de “comunidade de aprendizagem”. A ênfase era posta no termo “grupo”, no lugar de “equipe”. Havia tendência para a pilotagem feita pela universidade e secretarias. Essas definições revelavam o caráter utilitário e redentor das comunidades face ao modelo de escola que ainda tínhamos, e que quase não era questionado nos seus princípios. 

As crianças do Âncora prestaram uma bela homenagem ao Mestre Lauro, pouco antes da sua morte. Elas aprendiam no contexto de “práxis comunitárias assentes num modelo educacional gerador de desenvolvimento sustentável e que podem assumir a forma de rede social física, ou virtual”. 

 

Por: José Pacheco

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