Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLI)

Silveiras, 31 de julho de 2042

Há uma vintena de anos, o meu amigo António abria o seu primeiro livro com esta citação:

“Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida. A vida é, pois, um intervalo, um nexo, uma relação, mas uma relação entre o que passou e o que passará.” 

Assim falava o Pessoa no “Livro do Desassossego”. E desassossegado andava eu, assistindo a despropósitos como a moda de ir à Finlândia. Nunca consegui entender por que razão os professores lá iam, nem o que lá iam fazer. Só uma conversa entre uma professora visitante e uma professora da Finlândia, a que assisti na Internet, me trouxe alguma luz. Ei-la:

“Porque é que as pessoas estão tão apaixonadas pela Finlândia?”

Resposta da professora finlandesa:

“A cada aula de 45 minutos tem 5 minutos de recreio. Então, isso já tira um pouco do stress. O aluno sabe que, já, já estará com os seus amigos. Agora, eu posso me concentrar. Ajudar a pesquisar, ajudar o aluno a decorar informações. Seis aulas por dia, trinta aulas por semana. E muitas matérias diferentes.”

Este pedaço de prosa me elucidou sobre o porquê de essas pessoas (leia-se: professores) estarem apaixonadas pela Finlândia. Também davam aula, também soltavam os alunos e os seus telemóveis para os recreios, também os faziam decorar informações. Eu só não entendia por que razão a entrevistadora fora à Finlândia. Continuemos.

“Como é essa questão do currículo? No meu país, é muito conteúdo e pouca aprendizagem.” 

“Aqui, por exemplo, qual é o nível que o aluno deve ter na oitava série? Se um livro tem 300 exercícios, o professor escolhe 100.”

Confesso que fiquei baralhado com esta resposta. Parte de uma pergunta retórica, para uma resposta ridícula, se considerarmos que a entrevistada deveria saber algumas coisinhas de avaliação. Mas, adiante.

“O professor é avaliado? Como se sabe se o professor está dando bem a aula?”

“O professor tem mestrado, sabe o que está fazendo. E o diretor confia que o professor é um bom profissional. Se o filho chega em casa e diz que não está aprendendo, que só deu três capítulos do livro, a mãe escreve: por que só fez três capítulos? Estou preocupada com a aprendizagem do meu filho. Uma professora disse, que, se o aluno atinge o nível médio, para nós está ok. Se tirou um 7, está bom.”

Na confundir entre avaliação e classificação, a conversa prosseguiu:

“É zero a 10?”

“É de 4 a 10.”

“Por que 4?”

“Não sei. Mas, se você não fizer nada na prova, tira 4. Sete é uma boa nota. Mas pode melhorar para oito. Não esperamos que o aluno tire um dez a criança gosta de celebrar se tira um nove mais ou se tira um dez.”

“Diga três coisas fantásticas de estar na Finlândia.”

“O diretor não fica no pé, o salário é bom, a Natureza é muito bonita, tem menos caos na sala de aula, são mais sossegados.”

Por aí se quedou o surreal colóquio. A certa atura, cheguei a pensar que algumas das atabalhoadas respostas fossem manifestações de ironia. Não eram.  Elas eram ridículas. 

No pós-périplo português de vinte e dois, no meu regresso à Vida, beneficiando da hospitalidade do amigo Alfredo, desfrutei de alguns dias de serena preparação do que viria a ser a “transformação vivencial” (disso vos falarei nas próximas cartinhas). 

Finalmente, dispunha de algum tempo “livre”, que coincidia com um curto período de férias dos professores. Poderia encontrar-me com aqueles que, ao longo do périplo, não pudera estabelecer contato. Informei-os da minha disponibilidade, mas o rendez-vous não aconteceu. Tinham viajado para a Finlândia.

 

Por: José Pacheco

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