Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLII)

Maricá, 1 de agosto de 2042

Nos anos oitenta, quando acolhíamos crianças rejeitadas, não sabíamos que, na outra margem do Atlântico, Darcy Ribeiro tentava “tirar crianças carentes das ruas, oferecendo-lhes “pais sociais”

Quando atravessei o mar, compreendi que essa sincronicidade resultara de, também, termos adotado um princípio assumido por Darcy:

“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”. 

Europeu etnocêntrico, que eu era até à travessia, não conhecia essa figura ímpar, o Darcy dos CIEPs, que os considerava “uma revolução na educação pública do País“. Sê-lo-ia, se sucessivos desgovernos não tivessem desvirtuado o projeto. A maioria dos CIEPs tornou-se escola comum. E a clarividência do Darcy conduziu-o à conclusão de que a crise da escola era um projeto engendrado por pessoas, cujos ações iam na contramão da história.

Há vinte anos, o Brasil começava a sair de um longo pesadelo. As sequelas da crise política, econômica, educacional e sanitária estavam à vista. A saúde pública passara de precária para trágica. A fome assolava milhares de famílias e as mais vulneráveis sobreviviam garimpando restos de comida em caminhões de lixo. 

Darcy afirmara que o Brasil era uma sociedade com o seu nervo ético rompido. Mas, conscientes da gravidade da situação, educadores éticos delineavam novos rumos para a educação, adotando a proposta de Darcy. Uma nova geração de educadores surgia, uma rutura paradigmática se anunciava. 

Fui ao lugar onde Darcy lançara o seu projeto de Educação Básica, ajudar a Maria Paula e os professores de Mendes a retomar o legado de um Mestre, que afirmava haver nos trópicos uma outra forma de se viver e de sentir a vida. 

Esse modo de viver e de sentir a vida eram os contornos de uma nova Educação sendo gestada no sul, para o mundo. Nas duas margens do Atlântico, uma incontível caminhada nos conduziria à humanização do ato de aprender e ensinar. 

Depois, no Rio, subi o morro de Santa Teresa. Na sede da fundação, que levava o seu nome, reli mensagens do Mestre: “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso”. 

A Adriana justificava a iniciativa da secretária de educação: “Seis escolas foram selecionadas para um projeto-piloto, para melhorar a aprendizagem, com mais diálogo e envolvimento de estudantes, pais e escola.” 

Darcy Ribeiro, dissera:

“A coisa mais importante para os brasileiros é inventar o Brasil que nós queremos”. 

A maricaense Natália, mais do que dizer o que queria, dizia o que já se fazia:

“Em Maricá, estamos abrindo caminhos para a construção de “comunidades de aprendizagem”, já com a perceção e a sensibilidade da compreensão do território, na cidade, como espaço formativo dos seres. Precisamos aprender a ler o mundo e percebermos o quando nos constituímos, dialogicamente. 

Na obra “O Brasil Como Problema”, o Mestre questionava: “Qual é a causa real de nosso atraso e pobreza? Quem implantou esse sistema perverso e pervertido?” 

Na casa que Niemeyer concebera para Darcy, começaria o desmonte desse perverso projeto. Secretarias de educação, como a de Maricá, tomavam em suas mãos o projeto de um egrégio Mestre, que dissera ter falhado em tudo. Mas, celebrar Darcy deveria ser muito mais do que teorizar a sua obra, debatê-la, divulgá-la em teses, ou palestrar em congressos. Seria cumprir Darcy no chão das escolas. 

Nos idos de vinte, entre Maricá, Mendes e Brasília (passando por Mogi), a memória de Darcy foi celebrada… praticando Darcy.

 

Por: José Pacheco

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