Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXLVIII)

Monte do Portaleiro 28 de julho de 2042

Desde o início do projeto Fazer a Ponte, tínhamos consciência de que tudo aquilo que fazíamos decorria dos valores por nós partilhados. Não se pense que a matriz axiológica era ornamento de um Projeto Educativo. Foi assumida, integral e praxeologicamente. E levada às últimas consequências, nas mudanças que introduzimos nas práticas, até a celebração do primeiro contrato de autonomia. 

Nos idos de setenta, o projeto Fazer a Ponte foi delineado pelo vosso avô e por alguns pais de alunos. Na década de oitenta, foi desenvolvido por uma equipa (a Maria José, a Maria Luísa e eu). Na década de noventa, toda a escola estava envolvida. 

Em 76, a Diretora não autorizava, a Delegação Escolar ameaçava, o Ministério usava de imposições. Se, por crença ou medo, nenhum outro professor nos acompanhava e se os “superiores hierárquicos” nos proibiam de concretizar o projeto, com todo o respeito pela hierarquia… desobedecemos.

Ao longo de mais de meio século, ajudamos outros professores e escolas a ultrapassar obstáculos. Recebíamos muitas mensagens-apelos de professores conscientes e éticos. É disso exemplo um e-mail enviado pelo Professor João:

“No ano passado, formei um núcleo de projeto constituído por cinco professores. Preparámos os documentos necessários à implementação da turma piloto. Reunimos com a direção. A turma-piloto foi recusada. 

Sabíamos que estávamos a proceder de acordo com a lei e por isso nos debatemos para arranjar soluções, um projeto que deveria ser feito com as crianças e não para as crianças. Mas, sem apoio, decidimos não continuar”. 

O “xis do problema” não era a “desobediência civil”, era a obediência bovina, que mantinha práticas lesivas dos direitos de professores e alunos. Respeitosamente desobedecendo, apoiados na lei e numa ciência prudente, encontrámos três modos de contornar imposições e ameaças.

A situação mais frequente era aquela em que pais conscientes se uniam às direções das escolas e aos professores, para concretizar um projeto educativo, que ainda não passara do papel para a prática. No périplo de vinte e dois, pude identificar dezenas de casos e participar nas mudanças desejadas por diretores, professores e pais.

Mas, era frequente encontrar lideranças tóxicas, os “porquenãos” da Alice. Quando professores esboçavam decisões éticas, diretores doentes de autoritarismo os impediam de agir de acordo com os valores do projeto educativo da sua escola. Nesse caso, se ainda houvesse professores “vivos” e coerentes com esses valores, com ou sem permissão da direção, a mudança acontecia.

Situação mais rara e que eu nunca desejei enfrentar era a da desistência de medrosos e antiéticos “professores”. Na falta de verdadeiros professores, propúnhamos o diálogo, para ultrapassar o impasse. Gorada a possibilidade de diálogo, seguíamos o exemplo da Ponte de 76. Transformávamos o ensino doméstico numa aprendizagem em comunidade. Trocávamos o ensino individual pela aprendizagem na vizinhança. Sem improvisos, gerindo a imprevisibilidade, inspirados nas “Lições de um século de vida”, de Morin:

“Uma das grandes lições da minha vida foi a de parar de acreditar na perenidade do presente, na continuidade do devir, na previsibilidade do futuro. São incessantes, apesar de descontínuas, as irrupções súbitas do imprevisto que vêm sacudir ou transformar, às vezes de maneira afortunada, às vezes desafortunada, nossa vida individual, nossa vida de cidadão, a vida da nossa nação, a vida da humanidade”. 

De qualquer dos modos, nos idos de vinte e dois, agimos.

 

Por: José Pacheco

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