Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLXXIX)

João Pessoa, 28 de agosto de 2042

Na década de noventa, a nossa escola tinha assumido um precário estatuto de autonomia, alcançara o primeiro lugar no concurso de projetos inovadores lançado pelo ministério da educação, suscitava curiosidade e recebia milhares de visitas. 

O Presidente da República quis conhecer a Escola da Ponte. O presidente Jorge Sampaio era um homem extraordinário, misto de sabedoria e humildade. Entrou na escola com olhos de ver. Pediu aos meios de comunicação social e à comitiva presidencial que não entrassem e permitissem que ele ficasse a sós com as crianças. Aproximou-se de um grupo de alunos envolvido no afã de aprender. Sentou-se ao lado do Daniel e perguntou:

“Posso saber o que estás a fazer?”

“Pode. Estou a preparar os cartões do Clube dos Limpinhos.”

“O que é o Clube dos Limpinhos?” – inquiriu o Presidente. 

“É quem cuida do Ambiente, quem separa os lixos, por exemplo. Você é Limpinho?”

Jorge Sampaio sorriu e respondeu:

“Sim. Acho que sou limpinho.”

“Então, vou fazer um cartão para si, também.” – respondeu o Daniel.

O encantamento do Presidente começou aí e culminou no final da visita, quando participou numa reunião de Asswmbleia. No final, visivelmente emocionado, ergueu o braço, para pedir a palavra. A Mesa da Assembleia autorizou. E o Presidente da República de Portugal, depois de agradecer, assim falou:

“Peço que mantenham o vosso braço democraticamente erguido, durante toda a vossa vida!”

Na Ponte, cada educador elaborava uma lista de valores, que considerava serem fundamentais na sua vida. Depois, com recurso a uma dinâmica chamada “árvore dos valores”, identificávam valores comuns, elaboravam uma Carta de Princípios e aprovavam Acordos de Convivência. Um deles era o “pedido de palavra”, que não era mais nem menos que um pedido de escuta.

Voltemos às estórias de uma Ana, que não foi aluna da Ponte, mas que denotava dignidade e insubmissão. Fosse para ser elogiada, ou para ser ridicularizada, o seu dedinho nunca desistia.

A Ana foi elogiada por alguns professores, por erguer o braço, pedir a palavra e estar sempre a perguntar, a tentar perceber tudo. A Ana tinha a cabecinha cheia de “porquês”. Outros professores não toleravam essa atitude. Viam nesse gesto um “abuso”. 

O gesto da Ana não era um gesto sem sentido e muito menos um “abuso”. Era um acordo de convivência, um gesto elementar na vida em grupo. Porém, se a Ana manifestava essa atitude em sala de aula, a sua vida se complicava. 

Nas aulas de História, a Ana sofria inccompreensão. O seu braço elevava-se muito, mesmo muito devagarinho, e deixava a professora irritada. A pergunta saía numa voz sumidinha. A professora apoiava-se na secretária, levantava-se, e do cimo da sua altura, em vez de responder à pergunta, punha toda a sala a rir-se da Ana. 

Ela perdoava os colegas, porque sabia que os seus risos eram forçados, como eram forçados e perdoáveis os soldados que diziam matar por amor à pátria, os políticos que desdenhavam da dor alheia e outros bonsais humanos, que a Escola da Modernidade produzia. 

“Ó Ana, és mesmo tonta! Não vês que só tu é que fazes perguntas e me fazes perder tempo? Olha para os teus companheiros! Vá, levanta-te! Vira-te! Vês alguém a fazer perguntas? Só mostras que és burra, que só tu é que não percebes!”

Quando a professora assim falava, o coração da Ana descia até à ponta do pé. Por instantes, ia-se a coragem. Afundava-se na cadeira. Ficava tudo branco. 

Fora da sala, os colegas diziam-lhe que perguntasse, perguntasse, perguntasse, porque eles também nada entendiam o que a professora dizia, acreditando ensinar em sala de aula.

Por: José Pacheco

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