Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLXXXIX)

Macaé, 7 de setembro de 2042

Certo dia, um leitor do meu livrinho “Dicionário de Valores” me perguntou qual seria o valor dos valores, “o valor mais importante”. Naquela altura, não soube que resposta dar. Hoje, talvez saiba.

Diria o Nietzsche que valores falsos e palavras enganosas eram os piores inimigos para os mortais. Para não cair em falsidades e enganos, no segundo dos encontros do projeto das novas construções sociais, conversamos sobre matrizes axiológicas e tentamos definir o valor “coerência”. 

Ser coerente seria apenas ser congruente, estabelecer concordância entre ideias e fatos? No contexto escolar, talvez a coerência assumisse a forma de fidelidade a princípios. Mas, em nome da verdade (palavra rara nos projetos político-pedagógicos das escolas) se diga que valores abundantes no discurso pedagógico raramente se traduziam em atitudes, talvez por não serem passíveis de concretização no contexto de uma sala de aula. 

Por exemplo: se o professor tinha dever de obediência hierárquica, se não era autônomo, como poderia educar em autonomia? Ninguém conseguiria dar o que não possuía. Se a autonomia era algo que se exercia em relação a outrem e o professor estava sozinho em sala de aula, como poderia ensinar autonomia? 

A mudança das instituições processava-se a partir da transformação das pessoas que as mantinham. Se o professor pretendia despertar sentimentos de respeito ou de responsabilidade nos seus alunos, precisaria de colocar esses sentimentos nas suas atitudes. Por que ficar entre o discurso da mediocridade e a linguagem do génio? Por que ficar no meio-termo? Schweitzer foi coerente: abandonou o conforto da cidade, foi selva adentro e consumou ideais. 

Cortázar escreveu que uma ponte só é verdadeiramente uma ponte quando alguém a atravessa. Tão importante como escutar uma palestra seria escutar-se a si próprio. Tão importante como ler um livro seria escutar-se, verificar a coerência entre a teorização e o agir. E, também, saber fundamentar aquilo que se fazia, assumindo compromissos. A teoria só se converteria em ato, quando assumida em situações reais. 

Nos anos vinte, precisávamos de menos visionários e de mais coerência praxeológica. Dizia Lewin que produzir teoria sem prática era como viajar no vazio; prática sem teoria era como viajar no escuro. Há vinte anos, sabíamos que a pedagogia agia numa fronteira ténue entre intenção e gesto, pelo que não nos deveríamos preocupar apenas com “grades” ou “matrizes” curriculares. Se mostrava necessário estarmos atentos aos modos de trabalho, que deveriam considerar, por exemplo, o ambiente social em que o aluno vivia. 

“A escola é apenas um momento da educação; a casa e a praça são os verdadeiros estabelecimentos pedagógicos”, dizia Pestalozzi. Que não nos esquecêssemos da necessidade de harmonizar valores do projeto escolar com os valores do projeto familiar (mesmo que ninguém o tivesse escrito). 

Se nos lares e nas ruas escasseava a tranquilidade e a reflexão, como pretender que os alunos se mantivessem quietos e calados em sala de aula? Se havia professores que se atropelavam, se interrompiam a fala de outros professores, ou não os escutavam, sussurrando no pé do ouvido do colega do lado, como se poderia exigir dos alunos o erguer de um braço, para solicitar a sua vez de falar?

Posturas de cidadania básica não eram comuns, no decurso de reuniões de professores. Na universidade das cátedras – matriz, origem de todo o modelo educacional – a distância entre o que, teoricamente, os académicos propunham e a sua prática era abissal. Cadê a coerência?

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