Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLXXXVIII)

São José, 6 de setembro de 2042

Voltemos às preciosas considerações do amigo Conrado e à descrição da sua vivência no coletivo da 115 Norte, cujo objetivo deste modo ele definia:

“Reconfigurar as práticas e o modelo de escola, bem como sua organização e como as diversas relações nessa perspetiva acontecem, a fim de engajar, cada vez mais, os agentes educativos nos processos educacionais e obter maiores índices de aprendizagens, vivências e experiências significativas para todos, consequentemente, melhorando a qualidade da educação.”

O meu amigo concluíra que a Escola Classe 115 Norte agia em conformidade com a proposta de Anísio Teixeira, a de reconfiguração da rede educacional do Distrito Federal, que “deveria servir de modelo e inspiração para todo o país”. Também nisso estava certo e, nessa altura, já levávamos sessenta anos de atraso:

“A mudança é respaldada, tanto pelo compromisso ético dos educadores, quanto pelos preceitos, valores, princípios, visões, missões e objetivos explicitados no Projeto Político Pedagógico da instituição. Ao perceber que, ensinando a todos do mesmo jeito, havia aqueles que não aprendiam, não poderiam mais continuar a trabalhar da mesma maneira. A nossa Constituição diz que a educação é um direito de todos e não um privilégio para alguns.”

O Conrado descrevia, na perfeição possível, o que passaria a ser conhecida por tutoria e qual a sua génese:

“Foi criada uma “turma-piloto” constituída por estudantes de várias idades, sob consentimento das famílias, tendo a “tutoria” como dispositivo de mudança e elaboração de “projetos de vida”. Por se tratar de uma abordagem diferente de “dar aulas”, a tutoria requer uma habilidade específica: a gestão da imprevisibilidade. A partir das falas do educando, o tutor deve saber postular questionamentos pertinentes ao objeto de interesse, para que este se torne objeto de estudo. As perguntas devem ser intrigantes o bastante para motivar o aprendiz a ir em busca das respostas.”

Completando a introdução do seu trabalho, o Conrado citava o Mestre Lauro:

“O único meio de provocar motivação é criar uma necessidade de ação, isto é, provocar um desequilíbrio homeostático orgânico ou psicológico. A dúvida e o problema são desequilíbrios motivadores da reflexão”

“Necessidade de ação” e reflexão” … onde já teria ouvido isso? A mensagem do Mestre Lauro juntava-se à do Mestre Freire e à de outros mensageiros de uma nova educação, que do anúncio se fazia ação. 

Uma nova geração – a do Conrado, da Zizi e tantos outros – viria a tomar o lugar de uma geração de transição. Prestes a me retirar da ribalta educacional, iria juntar ao dom do desapego a tranquilidade de quem sabia que o cinzentismo educacional dessa época não era o fim do mundo – era apenas o princípio.

Havia quem me criticasse por ter esta “estranha mania de ter fé na vida” e de reiterar a minha fé nos professores que não tinham perdido a fé. Alimentava-me de esperança, porque ela nunca seria a última a morrer – ela nunca morreria. 

O amigo Rubem dizia que os educadores não eram pessoas otimistas, mas seres esperançosos. Porque o otimismo era da natureza do tempo, enquanto a esperança era da natureza da eternidade. Por isso, eu só poderia acreditar na geração do Conrado e nos professores que ainda não tinham morrido, profissionalmente. 

Mudar só parecia ser impossível para quem nunca tentasse mudar. Eu sabia que, quando fazíamos pontaria à perfeição, descobríamos que ela era um alvo móvel. Mas, também sabia que chegaria o momento em que as portas das escolas se abririam para deixar entrar o futuro.

 

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