Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXCIX)

Rio das Ostras, 17 de setembro de 2042

Encontrei o Alberto, à saída de mais uma visita à Ponte. Esse jovem professor de Português dizia-me que pensara em abandonar a profissão. Era essa a sina das escolas que ainda tínhamos nos idos de vinte. Se alguns professores tentassem melhorá-la, logo dez ou vinte surgiriam para os impedir. Sucedia o cansaço, o desespero, a desistência. 

Nos professores que ainda não tinham desistido de o ser eu observava características comuns. Sabiam, por exemplo, que uma teoria sem a caução da prática era algo estéril, entretenimento de académico ocioso. E que uma prática que enjeitasse a reflexão crítica e as contribuições de uma teoria prudente era inconsequente, mero aventureirismo pedagógico. 

Sabiam que, entre as condições indispensáveis para a concretização de um projeto, avultava a necessidade de todos os professores possuírem um completo domínio conceptual desse projeto. Sabiam que as reuniões de professores não poderiam continuar a ser pautadas pelo predomínio das “opiniões” e por exercícios de senso comum pedagógico. 

Sabiam ser necessário passar da discussão centrada em “impressões” para uma reflexão centrada na reinterpretação das práticas. Sabiam que as conversas circulares, com gente a olhar para o relógio, somente serviam para colecionar atas, projetos de faz-de-conta, relatórios, mapas estatísticos, bugigangas pedagógicas que mantinham as escolas cativas de uma racionalidade administrativa e burocrática. 

O Alberto era visitante assíduo da nossa escola. E um bom conversador. Compensava a carência de teoria com a boa-vontade, que o fazia questionar… “achando”:

“Professor Zé, eu acho que falta qualquer coisa aqui, que eu não sei o que é.”

Efetivamente, faltava. Mas, só trinta anos mais tarde, eu viria a encontrar o que faltava. Num tempo em que a quase totalidade das escolas ainda tinham sala de aula e professor dando aula, a Ponte já havia centrado o processo no aluno-sujeito de aprendizagem. E eu compreendera que o centro não era… o aluno.

No decorrer de um congresso, eu tentava explicar o que era um círculo de aprendizagem, uma comunidade e uma rede, uma professora interpelou-me nestes termos:

“O colega não está aposentado? Então, por que diz que continua no chão da escola?”

“Digo-o por que é lá que me sinto útil. E ser aposentado não é o mesmo que ser inútil.”

“Pois…, mas o que é que está a fazer nas escolas?”

“Estou a iniciar um projeto de criação de protótipos de comunidade de aprendizagem.”

“E, quando acabar esse projeto, deixa de fazer projetos?”

“Não. Eu continuarei ajudando educadores.”

“A fazer o quê?”

“A ajudar a fazer projetos para acabar com as comunidades de aprendizagem, porque o mundo é composto de mudança…”

Mal sabia eu que, muitos anos depois desse diálogo, num lugar chamado “Terra do Brincar”, uma nova construção social de aprendizagem surgiria. E que tudo recomeçaria, pela introdução de um dispositivo fulcral da comunicação: a tutoria.

O aprendiz expressava a sua singularidade numa aprendizagem significativa com impacto na comunidade, enquanto eram desenvolvidos dispositivos de integração curricular, para produção de conhecimento multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. 

A definição do currículo revestia-se de um caráter dinâmico, de um permanente trabalho reflexivo, para que fosse possível a aquisição de saberes, a produção de currículo e não o consumo e cumulação de informação estéril. E, a par do desenvolvimento de competências essenciais, questionava-se a função social da escola.

Transformávamo-nos, inovando.

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