Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXCVIII)

Carreira (Leiria), 16 de setembro de 2042 

Querida Alice, querido Marcos, espero que este velhíssimo avô não abuse da vossa paciência, quando evoca ecos do passado, quando retira do baú das velharias algo a celebrar. Se estivéssemos em 2022, hoje, seria o início do “ano letivo”. Dele vos falei, há quarenta anos, quando nascestes:

“Em setembro, entre o brincar sem cuidados e o ir à escola é só um saltinho de pardal. Dentro de poucos dias, a criança que és há de ser “aluno”. Quero acreditar que, em 2007, já não sofras os dramas que crianças de outras gerações suportaram. Como todas as crianças, sentirás apreensão e curiosidade. Irás fazer novos amigos e conhecer adultos que, supostamente, te ajudarão a crescer e a compreender o mundo. É sobre esse mundo novo e misterioso, que se abre para os teus olhos, que eu te venho falar”

As duas últimas cartinhas vos falaram da morte da professora Therezita e do jovem Kevin. Ontem, poderia ter invocado o aniversário do Rubem. Hoje, o nascimento do bisavô António. Mas, a vinte anos de distância, decidi falar-vos de renascimentos, a propósito do início de um ano letivo. 

À distância de vinte anos, o invoco, para homenagear aqueles que devolveram a um septuagenário de então sonhos de infância e uma fé pedagógica, que andava perdida. 

A partir de 2001, as viagens à pátria europeia passaram a ser de curta duração. Mitigada a saudade de familiares e amigos, o vosso avô logo regressava à mátria sulista. Mas, a viagem de 2021 prolongou-se por quase todo o 2022. Vos direi por quê.

Nessa viagem, foi grata a surpresa de encontrar gente consciente da necessidade de mudança. Confesso que o cansaço acumulado em décadas de desencanto me induzira em algum pessimismo. E só essa surpresa me fez ficar no outro lado do oceano, por quase um ano, adiando o voo que me devolveria ao sul. 

Percorri um país da educação, que eu desconhecia e que parecia sair da letargia de dois séculos. Conheci educadores extraordinários, como a Alda, a Ana, a Fátima, a Helena, a Cristina, a Sandra. Fiz novas amizades e me solidarizei com pais como o João e o Guga, com mães como a Cristina e a Andreia. Encontrei uma nova geração de excecionais diretores de agrupamento, como o Manuel e a Adélia. E não arriscarei fazer a lista completa, porque ocuparia muito mais espaço do que o desta cartinha. 

Foi com essa nova geração que arrisquei concretizar um velho sonho, o de uma nova construção social de aprendizagem e de educação. Revestido de uma esperança renovada, ganhava novas forças e procurava acompanhar urgentes transformações.

A Lei de Bases estabelecera que o sistema educativo se deveria organizar de modo a implementar práticas democráticas e processos participativos, partindo do princípio de que cabia à escola um papel fundamental no desenvolvimento local. Visava-se rever a atuação das escolas nos planos cultural e pedagógico, alargando simultaneamente a sua capacidade de diálogo com a comunidade em que se inseriam. 

O crescimento exponencial do conhecimento, a investigação emergente nos domínios das neurociências e no da exploração da inteligência artificial já não encontravam resposta nas teorias tradicionais. O centro do processo já não era o aluno, mas o sujeito de aprendizagem no contexto de novas construções sociais de aprendizagem e de educação. E, ao cabo de meio século de tentativas vãs, eu encontrava interlocutores, fazia sentido falar de “diálogo”. 

Cada cidadão se assumia como designer de uma vida com os outros. Concretizava-se a utopia das cidades justas, suportadas em práticas escolares fundadas numa nova visão de mundo. 

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