Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXXV)

Petrópolis, CIEP Cecília Meireles, 15 de outubro de 2042

A minha memória já não é a mesma de antanho, mas me lembro de vos ter falado dos quatro pilares da Educação da UNESCO aplicada aos professores e, também, que ousara juntar-lhes outros três.

O quinto era o aprender a reaprender, a pôr em causa o que fizeram de nós, para nos refazermos com aquilo que fizeram de nós. Reaprender consistia em pôr em causa crenças e verdades absolutas, desaprendendo enganos. O sexto pilar era o do aprender a desobedecer. E o sétimo, o aprender a desaparecer, a recuperar o dom do sereno desapego.

A Cecília e a sua equipe tinha preparado com esmero mais um encontro do Românticos Conspiradores. O amigo Conrado me levou até Petrópolis. E, numa manhã de sábado do outubro de há vinte anos, reaprendi com a Angélica o dom da solidariedade.

O 11º ENARC foi o penúltimo em que participei. Apresentava-se como imperativo ético assumir desapego, sem o qual, apenas fomentaríamos crônicas dependências naqueles com quem compartilhávamos a existência. Autonomia não era autossuficiência e solidão, mas algo que se exercia relativamente ao outro, com o outro, sem nunca desistir do outro.

Tecendo tais considerações, à memória assomou o que o meu amigo Jean me dissera, na sua última carta:

O meu pai faleceu nesta madrugada. É difícil exprimir tudo o que sinto.

O meu pai viveu muito e bem, soube viver e soube morrer. Permaneceu lúcido até ao fim, e penso que não foram as dores físicas que o fizeram partir.

Há cerca de um mês, ele disse-me: “Quando a vida já não pode ser melhor…”

Nos seus 87 anos, viu duas guerras mundiais e exerceu a profissão de professor. Nas últimas duas semanas de vida, já quase não se alimentava e falava com uma voz quase inaudível:

“É sempre preciso partir… Sê feliz, Jean, tenta fazer o que puderes para ser feliz.”

Agora, que vejo estas palavras escritas no meu computador, parecem-me poucas. Eu sei que havia mais. Acho que o meu pai tinha aquela capacidade de dizer coisas por trás das palavras que dizia.

Peço-lhe desculpa por este desabafo. Há tanta coisa ainda cá dentro! E há tanta vida ainda para viver!

É bem difícil o desapego de pessoas e de bons momentos. Está fora de causa que não amemos aqueles seres que se vão, para sempre. Mas, talvez essas dolorosas partidas devessem ser mais suaves. A morte nada tem de trágico, a não ser para quem não viveu, e a pessoa que mais vive não é aquela que conta maior número de anos, mas aquela que mais sabe sentir, verdadeiramente viver, saborear a vida.

Nas escolas ensina-se quase tudo, exceto a saber viver, para saber morrer. Talvez por essa razão, a minha amiga Dora me tenha apresentado a Tanatologia, o aprender a morrer. Nunca estamos preparados para perdas e lutos. Quando um ser querido se vai para sempre, morremos para ele. E é fato que nunca nos ensinaram a desaparecer.

Por mais que a frase aparente contradição, diria que desapego é compartilhamento. Mesmo na ausência se pode compartilhar – que o digam as práticas quânticas. E um mestre do desapego, o Dalai Lama, aconselhava-nos a que, nem que fosse por egoísmo, fizéssemos alguém feliz – fazer alguém feliz, mesmo à distância, era um modo de exercitar o desapego.

Ao morrer, Alexandre Magno, determinou que os tesouros conquistados fossem espalhados no caminho até ao seu túmulo e que suas mãos fossem deixadas balançando no ar, fora do caixão, à vista de todos. Nascemos nus, partimos nus, nada nos pertence.

Não façamos listas de livros emprestados. Tenhamos a bondade de desaparecer, deixando um rasto luminoso de palavras e gestos, a iluminar novos caminhos de novos passantes.

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