Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXXVI)

Corrêas, 16 de outubro de 2042

No outubro de 2023, Petrópolis acolheu o 11º ENARC – Encontro Nacional dos Românticos Conspiradores. A Cecília, o Conrado, professores e jovens alunos prepararam com esmero um encontro que permitiu viver momentos de intensa confraternização, de partilha de saberes. e de produção de um saber-fazer comunitário.

Foi isso que a Angélica nos trouxe. O seu testemunho encheu aquela manhã fresquinha com o calor da fraternidade. Era uma vez… um povo abandonado à sua sorte. Que via os seus filhos tratados como “coitadinhos”, crianças que não aprendiam, porque “eram burros”, ou “não se adaptavam à sala de aula”. Porque os pais eram analfabetos, ou porque não tinham livros em casa”. Alguns nem casa tinham.

Um mutirão subiu o morro, e, no meio do mato, no meio do nada, nasceu um centro comunitário e uma escola para as crianças, que não aprendiam.

A escola era a comunidade. Mas faltava uma professora… angélica.

A Angélica começou por dizer que tinha visitado o lugar, quando homens, mulheres e crianças fabricavam tijolos e os carregavam morro acima, para construir a escola.

“Era mato. Mas ali havia escola. Me convidaram para ser a sua professora”.

“Eu era uma professora recém-formada. No Magistério, não me ensinaram a ensinar numa comunidade. Me deixei contagiar, me dispus a escutá-los. E fiquei. Ajudei a criar uma Associação de Pais e a praticar democracia participativa.

Era uma escola pequenina, mas era, também, maior que já vi. As autoridades quiseram fechá-la e mandar as crianças para a escola grande. Não conseguiram. Ficaram na comunidade. Arrecadámos fundos e construímos o Centro Comunitário do Contorno.”

O amigo André, que fazia a “moderação” do painel, comentou que não existe currículo sem território e a Angélica aproveitou a “deixa” para prosseguir na contação da estória.

“Não foi nada fácil. Instalou-se o conflito. Sofri processos por indisciplina e por desobediência. Até que gestores descentralizadores se dispuseram a negociar. A periferia sobrevive na relação social, na escola, na rua, nos círculos de vizinhança. Praticamos uma economia coletiva. Uma reforma foi feita por pedreiros da comunidade, mais barata e de melhor qualidade do que se fosse feita pela prefeitura.

A comunidade se expandiu. Ampliamos o prédio e o tempo de estar na escola. Criamos oficinas de artesanato, de música, de marcenaria, de xadrez. E, inspirados em Darcy, demos um nome novo a uma escola ampliada: Leonardo Boff.

Mas, continuamos a ser violentados. Uma obra mal planejada provocou uma cratera, que engoliu habitações. Aprendemos a lidar com a prefeitura, com o Ministério público, mas ainda esperamos justiça social. A nossa luta é pelas crianças e com a comunidade.”

A Cláudia levantou-se, veio à frente do palco e com voz chorosa de emoção, assim falou:

“Fiz concurso. Poderia ficar numa escola a cinco minutos da minha casa. Mas fui trabalhar bem longe, com a Angélica. Fiquei perto do sonho”.

A Angélica, o seu companheiro e a Cláudia praticavam a “Escola para a Comunidade” do Mestre Lauro. Seguiam o exemplo da Nise do Engenho de Dentro, do Eurípedes de Sacramento, do Agostinho de Itatiaia.

Enquanto a escutava, me lembrei de que, em Portugal, uma comunidade de pescadores reconstruíra um bairro, que o Zeca imortalizou nos “Índios da Meia Praia”.

O Adriano foi à Internet, ligou o Bluetooth, e a voz do Zeca se fez ouvir:

“Quem aqui vier morar não traga mesa nem cama / Com sete palmos de terra se constrói uma cabana. Eram mulheres e crianças, cada um com seu tijolo…”

Era o “Dia do Professor”. Lá fora, um sabiá cantava.

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