Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXXXIII)

São Gonçalo, 23 de outubro de 2042

Dissestes terdes ficado estupefactos perante o caudal de besteiras revelado na cartinha ontem publicada. Pois ficai sabendo que ficam muitas por revelar. Ridículas situações aconteciam, nos idos de vinte. Como esta burocrática “pérola”, proposta por um “especialista de sala de aula”:

“Segundo as normas usadas é de 1,2 m2 por aluno mais 12 m2 para o professor, ou seja, mais ou menos 48 m2 para uma turma de 30 alunos, tem que ter pé direito de 2,6 mt e 40 lumens por m2 como iluminação e porta larga. Fazendo a conta para uma sala de, no máximo, 20 alunos. Área: 5.96 m * 6.10 m= 36,356 m². Área da sala: 36,356 – 12 (professor)= 24,356 m² para alunos. 24,356 :1,2 = 20,29 para carteiras, ou alunos.”

Os “especialistas” não detinham o monopólio do disparate instrucionista. A Internet dava notícia de um projeto que limitava número de alunos em sala de aula:

“Depois de três anos de tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei que limita o número de alunos por professor na Educação Básica”.

Esse projeto alterava a Lei de Diretrizes e Bases, que parecia pecar por não estabelecer limite de estudantes a armazenar em “sala de aula”. Por incrível que, hoje, nos pareça, nos idos de vinte, ainda havia sala de aula e quem calculasse o número de alunos a armazenar dentro dela.

Na obra “Escola no Futuro”, Lauro perguntava:

“Por que razão teima o professor em dar aula?”

Salman Khan, um dos gurus preferidos pelos adeptos do uso das novas tecnologias em sala de aula, isto escreveu no seu livro “Um Mundo, Uma Escola”:

“O modelo clássico de sala de aula ainda faz sentido numa era digital?

O velho modelo de sala de aula não atende às nossas necessidades em transformação. O sistema se tornou arcaico.

Por que ainda insistimos que o trabalho deva ocorrer no confinamento de uma sala de aula e ao ritmo de campainhas?

A lição tradicional age contra os objetivos da educação pública. Enclausuradas com outras da mesma idade, as crianças são privadas de perspetivas diversificadas, por meio de currículos rígidos, fragmentados, voltados menos para a aprendizagem profunda do que para um desempenho aceitável em avaliações padronizadas. A aula acaba por se revelar um meio ineficiente de ensinar e aprender.

Foi necessária a faculdade para me convencer da incrível ineficiência, irrelevância e mesmo desumanidade do padrão de aula expositiva. As aulas expositivas eram uma monumental perda de tempo. E as aulas de reforço, como um cemitério acadêmico. Uma vez que o aluno é rotulado e condenado como “lento”, ele tende a ficar mais e mais para trás em relação aos colegas.”

No outubro de 2022, estávamos a escassos dias da celebração do centenário do Darcy companheiro de um Anísio escolanovista. Nas salas de aula da academia, enfeitadas com lousas digitais, em aulas centradas no professor, era dito aos futuros docentes que o centro do processo de aprendizagem deveria ser… o aluno.

Quando chegaria o dia em que o Darcy dos acadêmicos subiria ao chão da escola? Quando se deixaria de enfeitar a sala de aula com paliativos do instrucionismo e se começaria a praticar Darcy?

Agostinho o praticava. E, tal como Darcy, se indignava e denunciava:

“Não é com os mesquinhos artifícios, nem com a mentira, que vencem os que pensaram um futuro e, amorosamente, com cuidados de artista, continuamente, com firmeza, o vão erguendo pedra a pedra.

É necessário que se resista enquanto houver um fôlego de vida, mas que essa resistência seja sobretudo o contato com a realidade da força criadora; é esta que afinal tudo leva de vencida e reduz oposições a pó inútil e ligeiro.”

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