Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLVI)

Ilhéus, 16 de novembro de 2042

Voltemos às estórias e à reflexão feita pelo amigo Rui Canário sobre um período crítico da história da Ponte, quando, mais uma vez, o ministério da educação de Portugal tentou destruir o nosso projeto. 

O ministério era um lugar mal frequentado, máquina acionada por burocratas autoritários, que viam na Ponte “perigosos” sinais de autonomia. Dessa vez, a nossa escola não ficou sozinha perante o monstro burocrático. As universidades, os sindicatos, outras escolas e professores se uniram num movimento que derrotou malévolas intenções ministeriais. Sobre essa contenda, o amigo Rui isto escreveu:

“Por que foi tão importante o movimento de solidariedade gerado em torno da Escola da Ponte, por ação de tantos professores, educadores e cidadãos? Que lições encerra a experiência da Escola da Ponte e em que nos pode ser útil para o futuro? Como pôde uma pequena escola, aparentemente isolada, gerar apoios e resistir? Donde vem a sua força? Em que reside a exemplaridade desta luta? Eis algumas das perguntas para as quais pretendo, neste texto, esboçar algumas tentativas de resposta. Para que a solidariedade com a Escola da Ponte seja, para além da sua dimensão afetiva, um ato de lucidez.” 

O ministério permaneceria socialmente autista durante décadas. Por isso, o  amigo Rui avisava ser preciso aprender a escutar as escolas. 

“Por contraste com uma perspectiva de estabilidade e continuidade, os conceitos de mudança, inovação e reforma emergiram, a partir do final dos anos sessenta, como palavras-chave para descrever, pensar e planear o funcionamento dos sistemas escolares. 

A criação de agências especializadas na promoção de inovações, o desenvolvimento da investigação aplicada e o crescente domínio do saber técnico-científico reforçaram os mecanismos de tutela externa sobre os professores e as escolas. 

Apesar da retórica sobre a criatividade das escolas, os processos de mudança deliberada basearam-se numa atitude de desconfiança relativamente aos professores e às escolas, apresentados como intrinsecamente resistentes à inovação

A obrigação imposta às escolas de serem inovadoras colocou estas numa situação penosa, de permanente duplo constrangimento, ou seja, na impossibilidade de corresponder a esta exigência: não é possível ser criativo, por imposição externa. 

Os processos de mudança deliberada, em larga escala, saldaram-se, regularmente e por toda a parte (como é notório no caso português), por fracassos e decepções. Estes fracassos podem ser relacionados com dois erros principais, um erro de diagnóstico e um erro de metodologia

O primeiro erro consiste em referenciar a crise da escola como uma mera crise de eficácia e de meios, sobrevalorizando-se uma resposta de natureza técnica. Sabemos hoje que a crise da escola se situa, sobretudo, no campo da legitimidade e apela, por isso, a respostas políticas que se situam no terreno dos fins da ação educativa. 

O segundo erro radica em processos de mudança construídos a partir de cima, numa lógica de exterioridade relativamente aos contextos e aos atores locais. Esta importação para o campo educativo de processos industriais de produção de mudanças contribuiu para acentuar, em vez de resolver, a crise da escola, estabelecendo uma relação de conflito entre os processos de mudança instituídos (do centro para a periferia) e os processos de mudança instituintes (construídos a partir de baixo). 

Em síntese, as escolas e os professores têm vindo de forma metódica, regular e persistente, a ser vacinados contra as mudanças.“

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