Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLVII)

Uruçuca, 17 de novembro de 2042

Apesar de contar cerca de quarenta anos, o artigo da autoria do amigo Rui, que vos dei a conhecer, permanece atual. Eis como ele concluía a sua argumentação:

“Reconhecer, compreender, valorizar e apoiar iniciativas inovadoras das escolas representa assumir uma estratégia indutiva de conhecimento e intervenção na realidade que se situa nos antípodas da lógica da reforma. 

Esta estratégia indutiva implica reconhecer duas coisas que, sendo irritantes para alguns, não deixam, por isso, de ser óbvias: por um lado, têm sido as escolas a mudar (ou esvaziar de sentido) as reformas e não o contrário; por outro lado, só é possível mudar as escolas com os professores e não contra eles. Implica, ainda, uma terceira conclusão, a de que é possível e necessário aprender a aprender com aquilo que as escolas fazem (de bom e de mau). 

É nesta perspectiva que deve ser entendido o meu testemunho sobre a experiência que, desde há mais de duas décadas, tem vindo a ser laboriosa e persistentemente construída, com avanços e recuos, feita e refeita, à maneira de Sísifo, por uma equipa de professores que, em Vila das Aves, teimam em ser autónomos, criativos e donos da sua profissão sem, para isso, pedirem autorização prévia. 

É possível e necessário aprender com a Escola da Ponte. Tentarei, de modo sucinto, enunciar alguns dos aspectos desta experiência que me parecem mais marcantes e mais fecundos, em termos da nossa aprendizagem. 

A Ponte é uma inovação contra as reformas. Ao longo dos últimos 25 anos desenvolveu-se na Escola da Ponte uma experiência ímpar, marcada por um percurso complexo, não linear e necessariamente conflitual, enquanto que, paralelamente, se processava uma sucessão de reformas conduzidas pelas sucessivas equipas do Ministério da Educação. 

Como é próprio das paralelas, estes dois processos nunca se encontraram, no sentido de mutuamente se fecundarem. Ao longo de mais de duas décadas o Ministério agiu como um obstáculo, primou pela ausência e raramente se colocou numa posição facilitadora, com excepção do curto lapso de tempo em que esta, como outras experiências inovadoras, esteve integrada no Programa Boa Esperança, da responsabilidade do Instituto de Inovação Educacional. 

A experiência da Escola da Ponte tem subjacente uma teoria e uma prática de formação de professores baseada no exercício profissional em contexto, combinando a ação e a reflexão coletivas. Na história da experiência ganha particular relevância a construção de projetos auto formativos, baseados na figura do círculo de estudos. Esta formação nada tem a ver com o desenfreado consumo da formação, orientado para a acumulação de créditos que constituiu o eixo estruturante da formação contínua de professores durante a década de noventa. 

A experiência da Escola da Ponte encontrou uma resposta pedagogicamente coerente para lidar com a heterogeneidade do público escolar, sendo exemplar a forma como integra e resolve os problemas dos chamados alunos difíceis ou com necessidades especiais. A construção desta resposta só foi possível num quadro de superação da organização em classe, na medida em que esta foi historicamente concebida para lidar com o aluno médio

Pelo contrário, as sucessivas reformas, em termos da individualização pedagógica, têm permanecido no estádio da retórica ou, pior que isso e em nome da diferenciação, reproduzem o que há de mais negativo na organização homogénea em classes. Pode, assim, dizer-se que a experiência da Escola da Ponte se desenvolveu à margem e apesar das reformas.”

 

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