Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXI)

Córrego Grande, 21 de novembro de 2042

Há mais de oitenta anos, talvez inspirado no provérbio africano, que nos dizia ser necessária uma tribo para educar uma criança, o educador Lauro de Oliveira Lima escreveu: 

“A expressão “escola de comunidade” procura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional. Escola, no futuro, será um centro comunitário. A escola não se reduzirá a um lugar fixo murado”. 

Lauro foi premonitório. E, há vinte anos, juntando-lhe o quanto baste da teorização do Ramon, escolas se transformavam em espaço-tempo de novas relações sociais. Eram práticas que iam muito além da proposta escolanovista. O aluno já não era o centro do processo de aprendizagem. Não havia centro do processo, mas a criação de vínculos entre sujeitos de aprendizagem. Num território-comunidade específico, escolas eram pessoas, escolas eram sistemas de relação, a Escola era a rede.

Ainda vivíamos um tempo marcado por uma modernização de racionalidade técnica, burocrática, industrial, numa sociedade da informação caracterizada pelo individualismo, pela solidão. O modelo escolar herdado da primeira revolução industrial deveria ser repensado e transformado, partindo de caminhos já trilhados e valorizando a competência-base dos professores: o saber “dar aula”.

À nova construção social poderíamos dar o nome de “comunidade de aprendizagem”. Era uma práxis comunitária assente num modelo educacional gerador de desenvolvimento sustentável e assumiam a forma de rede simultaneamente social física e virtual. Nas comunidades de aprendizagem, privilegiar-se-ia a relação entre pessoas sobre as relações entre instituições, bem como as redes físicas sobre as virtuais, apesar da prática de aprendizagem mista (presencial e remota). 

Por janeiro de vinte e três, começaram a tomar forma as primeiras comunidades de aprendizagem de que há memória. Nesse tempo, o que havia com essa designação eram caricaturas de comunidade compostas de “tertúlias literárias”, “bibliotecas tutoradas” e outros paliativos instrucionistas.

Às novas construções sociais de aprendizagem e educação não poderíamos aplicar raciocínios dedutivos. Nelas, todos éramos autodidatas e alterdidatas, todos éramos aprendentes. Seria necessário reconceitualizar as práticas escolares, para que as escolas se assumissem como nodos de redes de aprendizagem, erradicando a segmentação cartesiana, promovendo a participação de quem era considerado “fora da idade de escolarização”. 

Urgia questionar o modelo hierárquico de relação, propiciar relação comunicativa, descolonizar mentalidades, celebrar termos de autonomia. Urgia substituir o consumo acéfalo de currículo pela produção comunitária de conhecimento, substituindo a escola-prédio pela escola-rede.

Queridos netos, admito que possais duvidar do que o vosso avô diz, mas a verdade é que, nos idos de vinte, ainda havia sala de aula. 

Na “Escola no Futuro” dos idos de sessenta, Lauro perguntara: “Por que razão teima o professor em dar aula?”

Há trinta anos, Salman Khan escreveu no seu livro “Um Mundo, Uma Escola”: “O modelo clássico de sala de aula ainda faz sentido numa era digital? O velho modelo de sala de aula não atende às nossas necessidades em transformação. O sistema se tornou arcaico. Por que ainda insistimos que o trabalho deva ocorrer no confinamento de uma sala de aula e ao ritmo de campainhas?”

Esta foi a primeira das perguntas, fraternas interrogações, que enviei a “especialistas” e aos meus companheiros das ciências da educação. 

Vos direi qual foi a resposta.

311total visits,1visits today

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Scroll to top