Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXVIII)

Ilha Bela, 28 de novembro de 2042

Hoje, em tempo de paz e concórdia, vos parecerá inacreditável que tal acontecesse, há vinte anos. Mas, crede que eram frequentes notícias deste tipo:

“A cada 20 minutos há uma denúncia de violência doméstica em Portugal.”

“Manifestações em Espanha pelo fim da violência contra as mulheres”.

“Na Turquia, a polícia pôs fim a uma manifestação pelo fim da violência contra as mulheres e o regresso a um tratado destinado a protegê-las.”

“Cidade do México na rua contra o feminicídio”. 

Em 2021, quase 4.500 mulheres tinham sido vítimas deste crime na América Latina, sobretudo adolescentes e jovens entre os 15 e 29 anos. Este número representava uma média de doze mortes violentas de mulheres por dia.

Atos de cunho racista, antidemocráticos, de vandalismo se sucediam, por toda a parte. Em Curitiba e sem motivo aparente, um homem branco agredia um negro com cassetete. A vítima também foi mordido pelo cão do agressor e, durante o ataque foi chamado de “macaco” e de “negro sujo”. 

No mesmo dia, em Aracruz, um jovem de dezesseis anos, com o rosto coberto, vestido com uma roupa camuflada, invadiu duas escolas e com uma pistola pertencente ao seu ao pai e um revólver próprio, matou tês professoras e uma aluna, ferindo mais de uma dezena de pessoas.

“Não dá nem para falar sobre uma coisa tão trágica. Cheguei lá logo depois e vi os corpos estendidos no chão, as professoras caídas no chão, aquele sangue todo, aquela coisa terrível! Todo mundo está muito abalado e chocado demais. É difícil acreditar… Era uma escola monitorada, bem vigiada, com uma boa reputação e tudo mais, num bairro nobre. Um troço desses realmente é muito impressionante.” 

O povo se acalmaria, porque notícias desse tipo eram rotineiras. Preocupados em sobreviver na selva humana, as esqueceria.

“Conheço o pai do agressor. É policial militar. É uma pessoa de bem, muito engajado na comunidade.”

A mãe do assassino era professora aposentada de uma das escolas. O jovem usou equipamentos de polícia para entrar na escola. E, na sala dos professores, surpreendeu e feriu nove dos que ali estavam.

Testemunhas afirmaram que o jovem tinha uma suástica tatuada num braço. O seu pai “demonstrava, em suas redes sociais, ser fã de Hitler” e recomendara ao filho a leitura de um “guia” nazista, porque, como afirmava, “ler é uma das chaves da expansão da consciência”. 

No novembro de há vinte anos, a perplexidade do prefeito de Aracruz se assemelhava à de outros prefeitos e de outros educadores. O massacre do Realengo não fora um ato isolado. Atentados como esse não eram inéditos no Brasil, e a violência armada tendia a aumentar. Um jornalista comentava estarmos a ser, cada vez mais, parecidos com… os Estados Unidos. 

A cria do Sapiens nascia hominizada, mas não humanizada. E o meu amigo Celso dizia que, se a aprendizagem fosse significativa, ela transformaria, educaria. Se não tivesse sentido, seria “blá, blá, blá obrigatório e chato”. 

Ensinar seria criar condições para uma efetiva aprendizagem. Porque o ser humano “se humaniza quando, graças à educação, se apropria do mundo humano criado pelas atividades das milhares de gerações que a antecederam. A educação é um triplo processo de humanização, socialização e singularização.” 

Nos idos de vinte, a educação familiar e escolar reproduzia o modelo de sociedade prussiana, um modelo instrucionista herdado da primeira revolução industrial, assente numa competitividade negativa. O centenário apelo montessoriano não era escutado. E a crítica da “educação bancária” repousava inerte nos armários das universidades.

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