Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXXI)

Rio Seco, 1 de dezembro de 2042

“Cá não é a selva de onde vieste” – proferida por uma educadora, esta frase me feriu profundamente, me fez sentir vergonha. Naquele novembro de vinte e dois, longe de Portugal, quase brasileiro, escutava mães de alunos brasileiros relatando atos de xenofobia.

caso de agressão sofrido por uma estudante brasileira, em Portugal, não era um caso isolado. Manifestações de xenofobia eram frequentes, dirigidos a imigrantes, especialmente, brasileiros ou de pele preta. Eram ocultados, mas alguns relatos vinham a público. E eram mais preocupantes, quando aconteciam em escolas.

“Minha filha ouviu de uma auxiliar, ao empurrar de volta um miúdo que a tinha empurrado primeiro: “Cá não é a selva de onde vieste. Comporta-te!”

O relatório “Experiências de Discriminação na Imigração em Portugal” mostrava que 86% dos imigrantes em Portugal já tinham sofrido discriminação por conta de sua nacionalidade e dos estereótipos a ela ligados. Depoimentos se sucediam, envolvendo assédio, agressão verbal e até mesmo agressão física de cunho xenofóbico, no ambiente escolar. Em muitos casos, os agressores eram… professores.

“Estamos recebendo dezenas de relatos de agressões e xenofobia sofridos em escolas portuguesas. Tudo começou quando a Maria nos procurou para pedir ajuda, depois de seu filho de sete anos ser agredido até sangrar, na escola. Muitos silenciam por medo, por proteção. Outros mudam as crianças de escola”.

Esses tristes acontecimentos foram contemporâneos de uma animada troca de mensagens de WhatsApp com amigos acadêmicos. Entre eles, havia quem venerasse professores “normais” que, em salas de aula de escolas “normais”, reproduziam um modelo escolar e social que, entre outras mazelas, era causa indireta de… xenofobia.

Quem teria educado os xenófobos, os homofóbicos, os racistas, os misóginos e outros bonsais humanos? Evidentemente, a Família, a Sociedade e a… Escola. 

Quem formara os professores “normais” das escolas “normais”? Evidentemente, a academia denunciada por Agostinho, já na década de sessenta:

“O que se põe hoje é o problema da organização de um ensino superior em que o problema não seja o da disciplina, ou o do aprendizado daquilo que já se sabe, mas sobretudo da criação, mas sobretudo da descoberta daquilo que ainda não se sabe. 

O esforço de criação do mundo (…) o que a vida tem feito dos homens tomados no seu conjunto, e fora o reduzido exemplo de algum grupo que mais conseguiu furtar-se a exigências sociais, tem sido pervertê-los, aguçando-os para a batalha, pondo-lhes a concorrência como uma virtude e o triunfo sobre os outros como uma marca de especial favor de Deus.”

A academia produzia freirianas teses, enquanto se mantinha ancorada em práticas de “educação bancária”. No discurso, apelava à igualdade de oportunidades. Em contrapartida, contribuía para que os professores “normais” de escolas “normais” (por “norma” equipadas com banheiro de professor separado do banheiro do aluno) continuassem a negar o direito à educação. no discurso, apelava a uma educação emancipatória. Mas, um modelo escolar e social produtor de bonsais humanos, entre os quais muitos xenófobos, prosperava. 

Quando professores “anormais” eram objeto de sarcasmo, eu questionava:

“Se, do modo como os professores “normais” agem, negam o direito à educação à maioria dos seus alunos, esses “normais” terão o direito de continuar a trabalhar desse modo? Cadê a freiriana “escola séria e rigorosa”?  Cadê a ética, companheiros?”

E, voltando à vaca fria”… por que existe “quarto ano”?

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