Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXX)

Bosque de Itapeba, 30 de novembro de 2042

Fui ao fundo do baú das velharias, a tempo de salvar da humidade uns papéis, cuja leitura me transportou vinte anos atrás. Neles estão impressos registros de animadas conversas de rede social. Ao lê-los, dei por bem empregado o tempo despendido e a paciência gasta a ajudar a “descer à Terra” (melhor dizendo, ao chão das escolas) pedagogos eruditos, que andavam em órbita.

Tanto porfiei no convite ao diálogo, tantas perguntas lhes dirigi, que teria de chegar o dia em que alguém – chamemos-lhe Metraton – reagiria às minhas fraternas provocações. Eu insistia no bordão “Inovar é fazer algo, não se quedar pela teorização de teorias teorizadas. Inovar é tomar a decisão ética de mudar”. Pessoa inteligente, Metraton arriscou ironizar:

“Com professoras NORMAIS. Sem discurso heroico de qualquer candidato a GURU.

Os do marketing mostram Sobral (não conheço o suficiente para julgar o que aconteceu, mas com certeza é um dos poucos lugares onde aconteceu alguma coisa nos últimos anos). O que temos a mostrar? Sei que alguns vão me responder, citando essa ou aquela escola. Mas não estou falando de escola heroica, estou cansado de heroísmo, estou falando de bairros, com numerosas escolas públicas populares e professoras normais. Até mostrar isso, estaremos fracos frente aos discursos da lógica empresarial da eficiência.”

Amavelmente, como se impunha, respondi:

Amigo Metraton, os teus comentários suscitam inúmeras perguntas. Preciso que me ajudes a definir alguns conceitos, a esclarecer algumas ambiguidades contidas no comentário. 

Por que escreves NORMAIS e GURU com maiúsculas? A que escolas, bairros, heróis e gurus te referes? A que formação e ação te referes? Quais são as escolas heroicas? O que são professoras normais?

A resposta foi nenhuma. Apenas o habitual discurso desculpabilizador:

“Acho que já expliquei muitas dessas coisas nas mensagens anteriores. O que quero dizer é que já houve, desde mais de um século, muitos casos de escola isolada, que fez umas mudanças radicais, graças a esforços incomuns (heroicos) dos seus professores, mas que isso não mudou em nada a situação dos 99,9999999 % das demais escolas. 

São essas escolas “normais”, com professoras “normais”, que enfrentam cada dia a difícil tarefa de tentar ensinar/educar, em condições muito difíceis, crianças de bairro popular (que vivem também em condições difíceis), em escolas públicas da periferia, ou do interior nordestino, que me preocupam. 

Esqueci a questão sobre o quarto ano: nas escolas públicas brasileiras dos bairros populares, José, esse ano é a barreira: muitos alunos não conseguem ultrapassar o quarto ano. Trata-se de um fato estatístico já antigo.”

Metraton já não usava maiúsculas, colocava aspas normais.

Como se vê, o amigo Metraton continuava não dando resposta, não dizia… por quê. E eu voltava à carga:

Permite que discorde. Nas mensagens anteriores, não respondeste às minhas perguntas. Pelo menos de modo que este velho professor (português…) entendesse. E me atrevo a fazer mais algumas.

Por que terá sido que, desde mais de um século, casos de escola isolada sejam exceções à regra e que desapareçam ou se descaracterizem? Por que foi que assassinaram Anísio? Por que exilaram Freire? Por que razão os acadêmicos deixaram sozinhos os “heróis” da Ponte, os ostracizaram, ou até mesmo contrariaram “esforços” inovadores? Por que não mudaram os 99,9999999 % das demais escolas? 

E por ser INSUPORTÁVEL (em maiúsculas e sem aspas) juntei ao rol a pergunta formulada na véspera:

Por que existe o “quarto ano”?

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