Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXXX)

Armação de Búzios, 10 de dezembro de 2042

Há mais de cem anos, Montessori dissera que a competitividade estimulada no seio das famílias, em sociedade e nas práticas escolares era a origem remota de todas as guerras. E, há trinta anos, o amigo Pedro convidava-nos para entender um Maturana, que dizia que “competição sadia não existe”: 

“Competição e empatia social são “mundos completamente distintos”. Romantizando os ideais estudantis em seu tempo de estudante, Maturana compara o tempo em que se dizia se esperar do estudante devolver ao país o que recebeu dele, com o tempo atual no qual o estudante se prepara para competir no mercado profissional.

“A diferença que existe entre preparar-se para devolver ao país o que se recebeu dele, trabalhando para acabar com a pobreza e preparar-se para competir no mercado de trabalho é enorme. Trata-se de dois mundos completamente distintos. Hoje quer-se do estudante a negação do outro, sob o eufemismo: “mercado da livre e sadia competição”. A competição não nem pode ser sadia, porque se constitui na negação do outro”. 

O “projeto”, a que Darcy se referia, quando comentava a “crise educacional” brasileira estava fundado na disputa e na negação mútua, que negava a cooperação na convivência, aquilo que constituía o social. 

No dezembro de há vinte anos, se buscava um “projeto de país”. A Educação seria a peça-chave desse projeto. Porém, as notícias que me chegavam da “equipe de transição de governo” não eram animadoras. Não se questionava a o “sistema” condenado por Maturana. E reformas avulsas não lograriam desarmar máquinas produtoras de mentiras, o negacionismo e o ódio.

A reação de Maturana reverbera uma esperança escondida no coração de muita gente. Nos esportes, alguns têm como objetivo machucar (boxe, luta livre…), levando multidões a assistir embevecidas com nocautes estupendos, enquanto o perdedor está estirado ao chão, inconsciente e ensanguentado. A multidão – desde o circo romano pelo menos – vibra com um espetáculo em si degradante, mas que mantemos como “esporte”, no sentido mínimo de que é um confronto com regras, com juiz. 

Maturana segue indicando uma de suas teses mais marcantes: “competição é fenômeno cultural e humano, e não constitutivo do biológico. Não existe a convivência sadia, porque a vitória de um surge da derrota do outro. O mais grave é que, sob o discurso que valoriza a competição como um bem social, não se vê a emoção que constitui a práxis do competir, que é a que constitui as ações que negam o outro” 

Entretanto, na Ucrânia, muitas pessoas eram encontradas mortas, com as mãos amarradas, com sinais de tortura. Hospitais, bens culturais, escolas e edifícios residenciais eram destruídos. Dois terços das crianças ucranianas eram obrigadas a abandonar as suas casas. Milhares de soldados mortos jaziam nas morgues. E parecia que ninguém os queria recuperar. 

O Mikhail apelava a que as mães russas fossem buscar os cadáveres dos seus filhos, pois estava a ser planejado o desfile do Dia da Vitória. O autarca recebeu ordens de “limpar uma parte do distrito central da cidade de escombros e cadáveres”, para garantir que o desfile pudesse ser realizado.

Li este comentário nas redes sociais:

“Temos de atravessar a névoa da guerra para chegar à verdade”. 

Perguntei: Seria necessária essa “névoa”?

Na Ucrânia dos anos vinte, muitos milhares de civis foram mortos, mulheres e crianças foram violadas, foram perpetradas atrocidades sem fim e pairava a ameaça do uso de armas químicas. Mas, para os donos da guerra a “operação militar” tinha apenas… “objetivos nobres”.

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