Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCVII)

Guará, 6 de janeiro de 2043

Nunca será demais invocar a Magda, pois a nossa Mestra não era omissa, perturbava os burocratas do “sistema”, que a criticavam, injustamente. Ei-la:

“Esse é o problema da educação brasileira: busca-se resolver apenas a quantidade de carteiras nas salas de aula. fica faltando a qualidade do ensino e, portanto, de aprendizagem.”

Se esse “aviso à navegação” se justificava no século XX, ele era incontornável no XXI. Sobretudo quando um novo governo anunciava uma educação nova, tendo por referência velhas e equivocadas práticas, ornamentadas com marketing político. No janeiro de há vinte anos, a julgar pelas primeiras intervenções públicas, era essa a infeliz opção. E se anunciava deste modo, pela voz de um respeitável acadêmico:

“No campo social, há um sentimento de grande retrocesso nos últimos quatro anos, muita coisa que andou para trás e que precisa ser recolocada rapidamente nos trilhos. O que se viu nesse período foi o crescimento da articulação do chamado terceiro setor (institutos e fundações de empresas). Caso isso não tivesse acontecido, o cenário da educação brasileira, em termos do processo do ensino e da aprendizagem escolar, seria ainda muito mais dramático.”

Reparai no tom apocalíptico usado pelo articulista. A salvação da pátria adviria de institutos e empresas, da “ajuda da universidade”, e de um salvífico município, considerado “o farol que iluminava a educação brasileira”.

Como vedes, os primeiros tempos do novo governo não auguravam nada de bom no domínio da Educação. A opção pelas “carteiras nas salas de aula” arriscaria o adiamento da prossecução de “direitos fundamentais”, como o direito à educação.

Entrava no ministério mais uma “moda pedagógica” levada por políticos, que, ingenuamente, acreditavam ter encontrado a solução para os males do “sistema”, traduzida em rankings como o do IDEB.

O “farol que iluminava a educação brasileira” reduzia o currículo ao “back to basics”. Privilegiava o ensino de português e matemática, e o resto ficava para as calendas. Dessa aberração importada dos anglo-saxônicos vos falarei em próximas cartas.

No outro lado do Atlântico, já se havia dissipado a crença na bondade dos rankings e ilusórios índices, como o IDEB. De lá chegavam reações, que os da banda de cá deveriam levar em consideração:

“Não podemos deixar a escola bloqueada por uma pedagogia medíocre. Quando se fala em diminuição do currículo, isso não pode ser sinônimo da velha ideologia do “back to basics”, isto é, de dar só matemática e português. Aprender não é ter uma hora de aula de matemática.”

Nesse tempo, o Brasil já dispunha de projetos de qualidade muito superior ao de Sobral. E aquilo que o MEC assumia como projeto de mudança não passava de ser a réplica de uma “receita” importada dos Estados Unidos, com que Sobral alcançara um elevado “índice de decoreba” (não confundir com “desenvolvimento”).

Importa acrescentar que essa “receita” fracassara na origem. Hoje, sabemos que, também, iria fracassar no Brasil. Mas, naquele tempo, os destinos da educação estavam nas mãos de “aprendizes de feiticeiro” (com ou sem doutorado). Medidas de política educacional, que deveriam obedecer a critérios de natureza científica, eram tomadas por políticos e “especialistas”, para os quais as ciências da educação eram ciências ocultas.

Os meus companheiros das ciências da educação sabiam que “sobralizar” a educação brasileira significaria desperdiçar quatro anos de governação, perder mais uma oportunidade de mudança. Por que se manteriam apáticos, silenciosos?

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