Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXII)

Bosque de Itapeba, 11 de janeiro de 2043

Esta cartinha parece ser o início de um “manual”. E não andará longe disso.  Ela se compõe de velhos trastes, de manuscritos e papeis escritos em máquina de escrever. Com todo o cuidado, os irei retirando do baú das velharias. As teias de aranha não os danificaram, mas a humidade conseguiu tornar ilegíveis alguns dos documentos.

Naquele tempo, os disparates ministeriais – como a “sobralização” de que vos falei na cartinha anterior – eram consumados sem que se soubesse da sua fundamentação científica. Mas os passos dados no sentido da mudança e da inovação deparavam com armadilhas legalistas e ameaças de “fagocitose”. Como diria o amigo Miguel, quem rompesse com rotinas era acusado de ser presunçoso, chamado de ingénuo, apontavam-lhe problemas emocionais e negava-se a viabilidade dos seus projetos.

No final de uma das nossas cartinhas, vos havia perguntado se queríeis que vos informasse das respostas dadas ao meu insistente questionamento do sem sentido da escola.

Dois meses após as primeiras fraternas perguntas, ainda não havia chegado qualquer resposta. Presumindo que nem sequer as lessem, deixamos os teóricos e teoricistas entregues aos seus devaneios e fomos realizar o necessário, começando por definir e operacionalizar conceitos essenciais do nosso projeto de criação de redes de comunidades de aprendizagem.

Fizemo-lo, testando uma nova práxis, uma prática revestida de ciência prudente, concomitante com transformações no seio da comunidade de contexto. Fizemo-lo em equipe, produto de muitas mãos, isomorficamente revelado – o modo como agíamos com a comunidade era idêntica ao modo como a comunidade conosco lidava.

Definida uma matriz de valores e depois de elaborada uma carta de princípios, um círculo de aprendizagem começou a tomar forma. No início, nada fácil a reunião de pessoas de diferentes origens e práticas sociais, de diferentes credos e subculturas educacionais.

O que nos unia era uma visão de mundo onde não cabia o individualismo e a competitividade negativa geradora de solidão. E, também, a preocupação de garantir a participação de todos na nova construção social. Por isso, sem prescindir de uma fundamentação teórica coerente, evitávamos os alinhavos de citações de que eram feitas teses e dissertações. Testávamos os teóricos, no chão da escola. E, no final do primeiro dos livros por nós publicados, constava a lista de autores estudados.

Por que chamar “círculo de aprendizagem” ao primeiro dos dispositivos da composição de uma comunidade? Porque estávamos numa fase de autorização no que referia à criação de novas formas de real.

Quando a retórica era contraditória com tendências práticas, havia espaço para desenvolver práticas que não eram as oficialmente induzidas. Havia um espaço de legitimação para desenvolver outro tipo de práxis, mesmo que estas não beneficiassem de financiamento. Havia espaço para, realmente, ligar a formação à vida.

O círculo de aprendizagem (doravante designado por CA) poderia ser definido como um pequeno grupo de pessoas de todas as idades, que se reunia para aprender, no contexto de um determinado território e de forma organizada.

O cerne inovador dessa definição seria o não haver “professor”. Os participantes contribuíam, conjuntamente, para o desenvolvimento de estudos, para a busca de conhecimento, numa aprendizagem dialógica mediada por tutores (em outra missiva, descreverei as diferenças entre os estatutos de professor e de tutor). O CA concretizava o quarto “pilar da educação” – o aprender a conviver.

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