Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXIV)

Mangueiral, 13 de janeiro de 2043

No janeiro de vinte e três, este vosso avô, ainda septuagenário, já sobrevivera à miséria da Ilha dos Tigres. Vira a fome, a sífilis e a ditadura matar os seus companheiros de infância Passara pela guerra nas “colónias” africanas, participara na Revolução dos Cravos, enfim! Decidira ser professor, para vingar os excluídos. Mas, como Freire havia dito que a Educação era ato de Amor e de Coragem, me armei da coragem possível e fiquei na Educação por Amor.

Nos idos de vinte, já levava mais de meio século de participação em projetos efetivamente inovadores. Quando me chamaram para a Mesa de Abertura da primeira CONANE, foi enorme a emoção. Deitando os olhos pelo auditório, só vi caras conhecidas, educadores que haviam escutado o apelo dos Românticos Conspiradores e se envolviam em novos projetos, tendo por referência o Terceiro Manifesto pela Educação.

O ministério se fez representar no evento pela minha amiga Jacqueline Moll, que recebeu das mãos das crianças o documento e o assumiu. Ele fazia todo o sentido no trabalho que a Jacqueline vinha realizando, no contexto do programa “Mais Educação”. Com a sua coordenação, o projeto de educação em tempo integral se expandia e começava a dar frutos.

No GT da inovação do ministro Janine, ajudei a Helena no levantamento de 178 projetos com potencial inovador. Residente em Brasília, coordenei uma pesquisa, viando fazer o “ponto de situação” da educação no Distrito Federal. A partir das conclusões desse estudo, experimentalmente, o secretário Júlio criou a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá. E, com o secretário Rafael, ajudei a instalar uma rede de comunidades de aprendizagem. Mas, eis que chegaram tempos sombrios.

Tempos áureos só regressariam no janeiro de vinte e três. Lamentavelmente, os políticos nada tinham aprendido com a pandemia e a desgovernação. Ao interregno de quatro anos de política educacional retrógrada sucedeu uma escolha errada, a “sobralização” do MEC.

Eu pensava que já tinha visto tudo… Até que assisti à devassa e depredação do património de todos e concluí que aquilo que conseguira concretizar – processos de humanização da escola pública – era insignificante. Porque, entre os vândalos protagonistas desse drama, havia professores do básico e universitários, alunos, conselheiros tutelares…

Quanta vergonha senti! Que péssimo exemplo dávamos às novas gerações. A Ponte e o Âncora me haviam ensinado que, individualmente, eu deveria ser responsável pelos atos do meu coletivo. A minha cultura pessoal e profissional me fazia sentir corresponsável pelos tresloucados atos dos meus companheiros de profissão.

A esse sentimento se juntava a preocupação, por ver que o ministério insistia em práticas reprodutoras de bonsais humanos. E me remeti para o fazer “a minha parte”.

Nos bastidores, ajudei quanto pude os amigos Miguel e Brandão a apoiar a Jacqueline num dos mais importantes programas que o ministério havia lançado – o “Mais Educação”. Com eles, aprendi o dom da simplicidade e da competência. Por isso, não hesitei em declarar o meu apoio à indicação da minha amiga Jaqueline Moll para a coordenação da Secretaria de Educação Básica do MEC. Um abaixo-assinado decorria, para a recolocar num lugar que era seu por direito.

Nem tudo eram decepções, nesse janeiro de há vinte anos. A par do aventureirismo “sobralista”, gente responsável agia, reagia. Nas redes sociais se faziam ouvir as vozes do Brasil da Educação de que o Brasil precisaria, para que, numa escola cidadã, o lema “liberdade para sempre” se afirmasse.

 

 

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