Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXLVIII)

São Sebastião do Caí, 16 de fevereiro de 2043

Neste dia de há vinte anos, fui até ao interior gaúcho, na intenção de visitar o meu amigo Bruno e a sua Escola da Floresta. Não consegui. Naquele tempo, era grande a azáfama e longas as distâncias a percorrer. Apenas no sábado seguinte, quando voltei ao lugar virtual onde a inovação acontecia, com ele conversei.

No segundo encontro do projeto de formação em novas construções sociais de aprendizagem, esclareci que não se tratava de teorizar teorizações, mas de operar efetiva mudança. Para tal, eu constituíra um primeiro círculo de aprendizagem, “praticando Darcy”. Ele serviria de referência para outros círculos. 

Sempre tive por princípio não sugerir a outros que fizessem aquilo que eu não fazia… e voltava ao chão de escola. Nesse sábado, preparamos intervenções várias: a tutoria um-para-um, a criação de círculos de aprendizagem, a elaboração de roteiros de estudo, registos de avaliação… 

Por essa via, concretizávamos o que combináramos com uma secretaria de educação, a saber:

“Contribuir para erradicar o analfabetismo, superar as desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação, a melhoria da qualidade da educação, promover cidadania, com ênfase em valores, assegurar a gestão democrática da educação pública, a promoção humanística, científica, cultural e tecnológica, e o respeito dos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.”

No fevereiro de vinte e dois, eu testava teoria construída ao longo de mais de meio século. A formação experiencial acumulada me mostrava que estava cheio de ignorâncias. Que deveria partir de práticas “disruptivas”, como as da Ponte, do Âncora, ou da Escola Aberta, para as instalar, as analisar criticamente e, prudentemente, inovar.

E eis que surgem… “divergências”. 

“Tem de cumprir a lei da secretaria!”

Respondi:

“A lei que se tem de cumprir é a Constituição, a Lei de Bases, o ECA e outras formas de proteger a infância de uma escola que não ensina, nem educa, que condena milhões ao analfabetismo, à ignorância, à exclusão. 

Uma das competências do GT criado pela secretaria é “a adequação de normativa para a implantação e implementação de comunidades de aprendizagens”. Se pretendemos produzir inovação pedagógica, será necessário produzir inovação normativa.”

Os “divergentes” não desarmavam:

“Mas não se pode publicar a criação de uma escola, quando o ano letivo já começou!”

“Se ainda não foi publicada é porque o serviço público é lento. Em Brasília, uma escola-comunidade foi criada e publicada em poucos dias. E numa comunidade de aprendizagem não existe “ano letivo.”

“Dizer que não existe ano letivo é um disparate!”

“Disparate é fazer afirmações como essa e não as fundamentar.

Diga lá: por que tem de haver ano letivo?

Os “divergentes” nada responderam.

Por algum tempo, o projeto que batizei de “Praticar Darcy” andou, como diria o povo, “aos trancos e barrancos”, por obra e graça de porquenãos “divergentes” e atos de deslealdade. 

Muita paciência o vosso avô gastou! Ciclópicos obstáculos surgiam. Em equipe os defrontei. Ou não fosse o vosso avô um taurino genuíno – onde metesse os cornos…

A Lei de Bases brasileira pecava por não tornar explícito aquilo que a Lei de Bases portuguesa deixara claro:

“Artigo 48º – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.”  

Mas, se a LDBEN era omissa, nós não o éramos.

 

Por: José Pacheco

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