Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXVI)

Campinas, 6 de março de 2043

Há vinte anos, era frequente este tipo de notícia:

Ex-modelo é encontrada morta e com o corpo carbonizado, em Cotia. De acordo com as investigações feitas pelas Delegacia, Aline teria caído em uma armadilha armada por outra mulher.

Mais dois feminicídios ocorreram no DF, totalizando oito casos este ano. Letícia, de 25 anos, foi espancada até a morte pelo namorado. Rayane, de 18, foi estrangulada pelo companheiro.”

Quem teria criado tais monstros? Teriam nascido assassinos, ou teríamos sido nós (educadores), as famílias e a sociedade que os engendrou? Talvez tenha sido o… “sistema”.

“Diarista desabafa sobre ser proibida de esquentar comida na casa de cliente: Nas redes sociais, ela contou que o cliente teria dito que os aparelhos domésticos eram só para os moradores da casa. 

Comentário da diarista: “Não adianta ser doutor e não ter educação’”

Pois não! Naquele tempo, havia “doutores” racistas, sucedâneos de um “sistema” reprodutor de desigualdade social.

“Aluna de escola cívico-militar do DF sofre racismo religioso. Após a negativa da jovem de retirar um colar que traz referências religiosas, um tenente do colégio tentou remover o adorno à força do pescoço da aluna.” 

Pois é! Nesse tempo, um sistema de ensino autoritário engendrava fundamentalismo religioso. 

Em 2023, o Brasil comemorava “uma descida no número de homicídios”, uma “descida” para mais de 40 000 homicídios por ano. O que se comemorava? A violência simbólica de um sistema de ensinagem moralmente corrupto?

“A Polícia Federal prendeu nesta quarta-feira o ex-ministro da Educação, por suspeitas de envolvimento em corrupção e tráfico de influência durante sua gestão à frente do Ministério. Também cumpre mandados de busca e apreensão e prisão contra pastores-lobistas. A Procuradoria-Geral da República informou, em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal, que havia um trabalho de “cooptação de prefeitos” no suposto esquema para liberação de verbas do Ministério da Educação.”

Naquele tempo, eram comuns notícias como aquelas que aqui vos deixo. Máfias de merenda, de transporte, de livro didático e outras quadrilhas se instalavam num sistema eticamente corrupto. E ainda havia quem o mantivesse. E ainda havia professores “dando aula”, fingindo ensinar alunos, que fingiam que aprendiam. E ainda havia quem sustentasse o “sistema”, quem o alindasse com projetinhos. E ainda havia quem os financiasse. E ainda havia quem organizasse concursos de “Professor Nota 10” e afixasse nas paredes das escolas vergonhosos “quadros de excelência”. 

A voz do Mestre Pedro clamava pelo abandono de um “sistema” que não prestava, nem era sanável. Mas não se fazia escutar. 

Esse “sistema”, “um equívoco encalacrado em sua própria reprodução”, mantinha-se, em parte, devido ao “cinismo de dirigentes” e ao “mascaramento dos problemas”. Obscuros interesses se perenizavam e a reelaboração da cultura pessoal e profissional dos professores era adiada. 

A propósito, o Mestre Pedro escrevera:

“Impressiona o quanto a pedagogia instrucionista é arraigada, formando um consenso aterrorizante. Existe o temor do novo.”

Na primeira metade de dois mil e vinte e três, o temor do novo se dissipou nas práticas de muitos educadores. O processo de desmonte do “sistema” começava nos encontros de formação das manhãs de sábado. Melhor dizendo, o desmonte do “sistema” começou muito antes, em setenta e seis, numa escolinha do norte de Portugal. 

Nada se repete, mas havia uma referência, também, no Brasil. Vos contarei estórias da sua história.

 

Por: José Pacheco

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