Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXC)

São José d’Imbassaí, 31 de março de 2043

Querida Alice,

Entre os anos vinte e trinta, passavas a vida a cuidar daqueles que a ti recorriam, vítimas de um malfadado sistema de ensinagem. Disso me lembrei, quando remexia no baú das velharias e achei uns recortes de jornal do tempo em que completavas o teu mestrado em psicologia:

“Veja os principais pontos do plano de combate à violência escolar do MEC.

Por causa do caso do garoto de 13 anos, que matou uma professora a facadas na Escola Estadual Thomázia Montoro, na capital paulista, o Ministério da Educação (MEC) propôs, ontem, a criação de um grupo interministerial, para tratar dos ataques nas instituições de ensino.” 

Pelo teor da notícia, me apercebi de que as autoridades iriam acudir ao incêndio juntando-lhe… mais gasolina.

Passado o tempo das escolares tragédias, sinto necessidade de voltar às metáforas, para evitar que  o teu consutório se volte a encher de pacientes. É que, de quando em vez, a praga do fariseismo pedagógico se manifesta. 

Aqui te deixo pedaços da última carta, aquela que te enviei, em 2001, no dia do aniversário do amigo Rubem. Compreenderás por que ta envio.

“Aqui estou, a entregar-te este montinho de cartas. Quando a decifração dos códigos da linguagem dos homens to permitir, hás-de lê-las. São tantas quantos os dias que mediaram o dia de completares seis anos e o dia de ires à escola. Esta é a última das cartas, que não o fim da história. Este é o dia da tua primeira ida à escola, o início de uma outra história. E ambas terão os desfechos que lhes quiseres dar.

A vida é uma história sempre inacabada a que podemos conferir diferentes desenlaces. Basta que não nos confinemos aos estreitos limites do entendimento das coisas e dos seres deste nosso tempo da proto-história dos homens. 

Quando, depois de extintos os ecos do tempo da história, os homens acederem à era do espírito, hão-de entender a fragilidade dos paradigmas que sustentavam as suas ciências. Hão-de reconhecer como aparentes as suas imutáveis realidades. Hão-de reconhecer a falsa moral das suas histórias, se comparada com a doce amoralidade dos pássaros. 

Quero que saibas que, quando os homens criam ser o seu mundo plano e limitar-se aos mediterrânicos limites, já os pássaros sabiam ter o planeta forma arredondada, por o terem sobrevoado de lés a lés. No tempo em que os homens criam ser o centro do mundo e viam abismos e monstros na linha do horizonte, os pássaros redefiniam zénites e provavam que o espaço é ilimitado como a música e os sonhos. Onde, antigamente, os homens idealizaram um céu de vida eterna para os seus eleitos, havia pássaros. No lugar onde imaginaram situar-se o trono dos seus deuses, não havia uma “pomba estúpida” à medida dos seus medos, mas o espírito dos pássaros. Quando os desvendadores dos segredos dos mares atingiram novos mundos, encontraram pássaros. Quando os homens voaram até à Lua e dela contemplaram o planeta azul, compreenderam que o azul que os separava do imenso e negro espaço não tinha segredos para os pássaros que, há séculos, o habitavam. E, quando os astrónomos, espreitaram através de potentes telescópios, penetrando distantes galáxias e confirmando a antiga predição de que o que está por baixo é igual ao que está no alto, viram pássaros invisíveis pousados no asteróide B 612.

Nos últimos vinte anos, foram muitas as vezes que me refugiei em metáforas, dando a conhecer os pássaros do amigo Tuck e aqueles que habitaram a Ponte, o Âncora, a Escola Aberta. Aqueles que, nos idos de vinte e três, ousaram levantar novos voos, junto à Lagoa das Amendioeiras, em Mogi, em Caçapava…

 

Por: José Pacheco

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