Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCI)

São Paulo, 1 de abril de 2043

O primeiro de abril de há vinte anos foi “dia de desenganos”. Muitos outros se lhe seguiram, feitos de desmonte de um velho e obsoleto sistema de ensinagem, a par de uma homeopática mudança e da criação de condições de inovação.

Passei a manhã desse sábado na companhia da Letícia, do Rodrigo, do António, da Adriana e de outros educadores de excelência, numa escola de São Paulo, onde nasceria um dos primeiros círculos de aprendizagem. Foi, também, aí que 

Os primeiros círculos de aprendizagem surgiram. E me vi na necessidade de partilhar um pouco de uma precária construção teórica carente de legitimação prática. Os educadores envolvidos no processo de mudança eram merecedores de algumas suliações guardadas num computador. 

Os tempos de pandemia tinham exigido que aprendêssemos a viver numa proximidade regulada e a pós-pandemia exigia a reinvenção do modo de aprender. A especulação teoricista dera origem a um conjunto de práticas, que da designação “comunidade de aprendizagem”, indevidamente, se reclamavam. 

A “comunidade de aprendizagem” aparentava ser um conceito de vasto espectro semântico. A título de exemplo, vos darei notícia de alguns significados a ele atribuídos, colhidos na Internet: 

“Comunidade de aprendizagem é um grupo que interage, durante um determinado período de tempo; é uma estratégia que ajuda a superar os obstáculos para o ensino eficaz; é um programa desenvolvido pela secretaria de educação.”

Era reducionista a ideia que se fazia de “comunidade de aprendizagem”. Reparai na ênfase do termo “grupo” no lugar de “equipe” e a tendência para novas regulações, tão do agrado dos burocratas da educação. O Brasil importava mais um modismo, a administração o comprava e a mudança se adiava. Os professores desconheciam a existência do Mestre Lauro. Os formadores de professores não conheciam a sua obra. Nas bibliotecas das faculdades de Pedagogia, nunca encontrei livros do insigne mestre. 

Quando as crianças do Projeto Âncora o quiseram homenagear, fizeram-no no contexto de uma escola, que adotara esta definição do conceito: “comunidades de aprendizagem são práxis comunitárias assentes num modelo educacional gerador de desenvolvimento sustentável e que podem assumir a forma de rede social física, ou virtual”. 

Era uma provisória, modesta e minimalista definição do conceito, aquela que eu criara, numa tentativa de o proteger da influência do mercantilismo. Não alcancei o meu intento. Uma empresa, que apoiava o Âncora, suspendeu o apoio ao projeto e financiou uma proposta de origem anglo-saxônica e catalã. 

Com o patrocínio dessa empresa, universitários operaram cosmética educacional. Caricaturalmente, operacionalizaram o conceito de comunidade de aprendizagem. Revestiram a escola da aula com adereços de desculpabilização curricular. Abriram caminho para que empresas do digital muito lucrassem com a comercialização de práticas “híbridas”. Obstruíram caminhos de uma inovação anunciada.

Já por várias vezes dele vos falei, mas nunca será demais invocá-lo. Nos idos de vinte, a baixa autoestima dos educadores não lhes permitia honrar a herança que esse mestre nos deixou. Educadores iam visitar escolas da Finlândia, sem que soubessem que havia muitas (e melhores) “finlândias” dentro do Brasil. Viajavam para Portugal em busca de uma Ponte, desconhecendo já terem ido além da Ponte. Perdiam precioso tempo, em demanda da Catalunha das ditas “comunidades de aprendizagem”, num tempo em que as verdadeiras comunidades se formavam e transformavam na terra do Lauro.

 

Por: José Pacheco

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