Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXL)

Pereira, 20 de maio de 2043

Nunca esqueci a minha passagem pelas nascentes de Luz, pelo lugar, onde o silêncio era escutado, onde o canto dos pássaros fazia sentido nos humanos ouvidos, onde rosas floriam namorando as uvas, como vedes pela imagem que junto a esta cartinha.

A Margarida ensinou-me a Pedagogia do Enxerto, técnicas antigas e um método de propagação de plantas. A sua aplicação demandava certos cuidados, para que as mudas funcionassem e não houvesse desperdício de recursos ou perdas de energia.

Nos idos de vinte, ainda havia professores que aprendiam, que se apercebiam da sua incompletude e sabiam que o ser humano estava em permanente estado de projeto. Seres humanos talentosos com projetos pessoais e sociais, agindo à margem dos cemitérios de talentos das salas de aula dessa altura. E educadores investindo na reelaboração da sua cultura pessoal e profissional. 

Não sendo responsáveis por aquilo que deles fora feito, assumiam responsabilidade responsáveis por aquilo que fizessem com aquilo que havia sido feito deles (foi o Sartre quem o dissera, embora por outras palavras).

No périplo da Primavera de vinte e três, embora politiqueiros e burocratas conspirassem na sombra, um “movimento” de regeneração tomava forma concreta e me fazia recordar um naco de freiriana prosa, pelo Paulo inscrita no livro “Professora, sim; tia, não”:

“Como esperar de uma administração de manifesta opção autoritária, que considere, na sua política educacional, a autonomia das escolas? Que considere a participação real dos e das que fazem a escola, na medida em que esta se vá tornando uma casa da comunidade? Como esperar de uma administração autoritária, numa secretaria qualquer, que governe através de colegiados? 

No Brasil, como em Portugal, havia quem ainda não tivesse compreendido que existia diferença entre ditadura e democracia, entre autoridade e autoritarismo no exercício do poder. Se já havia diretores de agrupamento extraordinários, também havia aqueles que se mantinham ordinários, inviabilizando projetos de mudança com tiques autoritários:

“Aqui, quem manda sou eu!”

Como gostava de ver “o copo meio cheio”, já procurara e encontrara administrações e secretarias, que já admitiam ser incontornável considerar a possibilidade de gestão autónoma das escolas. E que a autonomia era ato relacional resultante da reelaboração da cultura pessoal e profissional dos educadores. 

Conheci um professor insatisfeito com o seu desempenho. Ele se perguntava:

“Se eu faço um planejamento perfeito das minhas aulas e preparo belos materiais, por que será que alguns alunos meus reprovam? 

Se eu dou aulas tão bem dadas, por que razão há alunos que não aprendem?”

Um koan (iluminação súbita) se apresentou incontornável. E concluiu: 

“Se eu dou aula e há alunos que não aprendem, esses alunos não aprendem porque eu dou aula.”

Uma profunda perturbação o invadiu, o chão fugiu-lhe debaixo dos pés. Não poderia continuar a dar aula, mas ele só sabia… dar aula. 

Não se permitia manter-se instalado num ritual que condenava muitos jovens à ignorância. Mas, haveria outros modos de ser professor? Outros modos de ensinar? De que maneira todos poderiam aprender? 

Procurou e encontrou professores, outros professores “vivos”, que ousavam fazer as mesmas perguntas e não cediam ao fácil. Com eles se envolveu num projeto de mudança. Juntos, conceberam protótipos de comunidade de aprendizagem, espaços e tempos de uma nova construção social onde, verdadeiramente, se aprendia. 

Com uma tomada de decisão ética, um novo tempo da Educação se anunciava.

 

Por: José Pacheco

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