Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXXXIX)

Moita da Roda, 18 de maio de 2043

Acabo de encontrar notícias de um projeto, que acompanhei, vai para vinte anos. No e-mail (não sei se vos lembrais daquela espécie de carta abreviada, que não carecia de envelope e selo), os educadores da Moita da Roda, da Carreira e da lameira davam notícia de mais uma reunião com a sua comunidade. 

O encontro foi coordenado pelo Michael, morador e pai de dois alunos. As professoras escutaram elogios e críticas, esclareceram dúvidas, fizeram propostas. No final do encontro, sumos, chá e uns copos de tinto (conforme o gosto) acompanharam o saborear de uns docinhos confeccionados pelas crianças e de cerejas do Fundão e fatias de presunto (conforme o gosto). 

Enviei à Adélia e à Andreia o velho email achado no fundo do baú das velharias, onde repousam vestígios de vida vivida, como recordação de tempos idos, feitos de muitas dificuldades e de algumas alegrias. 

Naquele tempo de reinícios, o ranço da velha escola penetrara bem fundo na cultura do lugar. Escolas foram fechadas, aldeias foram despovoadas, assassinadas, viram partir os seus jovens para a cidade grande e os velhos irem morrer num “lar”, na sede do município. 

Em sentido inverso, diretores de agrupamento tentavam manter vivas comunidades em risco de extinção. A instituição Escola ganhava novos significados. Aderia a práticas permaculturais, inventariava tecnologias e saberes populares, retomava tradições…

Na casa de um jovem aluno, os educadores encontraram uma avó, fabricando sabão com restos de óleo. Pais se organizaram numa cooperativa de produção e consumo alimentar resultando na criação de emprego, em geração de renda, sustentabilidade. 

Também eram identificados lugares com potencial educativo: quadras, igrejas, padarias, praças, casas, centros culturais, bibliotecas comunitárias. O mapeamento ia mais fundo, atingia uma segunda camada, com recurso a uma inteligência artificial, que contribuía para o bem-estar de todos e para a humanização do ato de aprender e ensinar.

Na Primavera de vinte e três, o vosso avô andava por terras de Dom Dinis e Dona Isabel. Abro um parêntesis sem parêntesis: 

Dizia a minha amiga Andreia que se deveria inverter a ordem dos nomes e colocar a Isabel como protagonista dos feitos atribuídos ao marido. Creio que a Andreia tinha razão. Aliás, a partir daquela idade em que podemos dizer tudo o que nos via na alma, sem pensar nas consequências, eu afirmava que por detrás de uma grande mulher havia sempre… um homem.

Mas, voltando à vaca fria… Nem só em terras leirienses acontecia renovação. Do Minho ao Algarve (ou deveria ser ao contrário?), diretores de uma nova geração, educadores éticos e comunidades revividas encetavam práticas fundadas numa nova visão de mundo. 

Quando me despedi da margarida e da Eduarda, nas Nascentes de Luz, eu levava comigo a certeza de que, quando chegasse a primavera seguinte e ali voltasse para a celebrar, já iria assistir a profundas transformações sociais.

Muitos anos antes do surgimento dos círculos de aprendizagem e dos protótipos de comunidade de aprendizagem, um sociólogo chamado Pierre escrevera uns livrinhos, nos quais demonstrava que a Escola produzia e reproduzia desigualdades. E que, perversamente, ocultava os seus critérios sob o discurso do mérito individual. 

Muitos educadores encontram nas suas obras a inspiração, para inverter o fatalismo da reprodução escolar e social. E um jovem centenário de nome Edgar dizia-nos que tudo o que vivia deveria regenerar-se incessantemente: o sol, o ser vivo, a biosfera, a sociedade, a cultura… o amor.

 

Por: José Pacheco

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