Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXXXVI)

Votorantim 5 de julho de 2043 

No julho de vinte e três, fui até Votorantim, aprender com secretários de educação e educadores da região como fazer educação integral. Por essa altura, uma notícia aparecia na comunicação social em lugar de relevo, com títulos e subtítulos em carateres grossos:

“A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei, que estabelece o Programa Escola em Tempo Integral.”

Mais uma vez, a montanha paria um rato… 

Já dizia o Piaget que a Educação era a única área das ciências humanas em todo mundo se sentia competente para dar opinião. Os deputados da nação metiam no mesmo saco “educação integral” e “escola de tempo integral”, e não tinham noção do ridículo das suas intervenções. A minha amiga Jaqueline assim comentava o “mal menor”: 

“Seja lá o que entendam por “ensino integral”, significa que conseguimos colocar na agenda deste país as ideias e ideais da ampliação da jornada escolar. Lutemos cotidianamente por escolas de educação integral em jornada ampliada.”

Para quem, porventura, não saiba, a Jaqueline havia coordenado um programa chamado “Mais Educação”, que tinha por objetivo a indução da construção da agenda de educação integral nas escolas da rede pública, ampliando a jornada escolar. Ela nos dizia que a escola, face às exigências da Educação Básica, precisava ser reinventada. 

Deveriam ser priorizados “processos capazes de gerar sujeitos inventivos, participativos, cooperativos, preparados para diversificadas inserções sociais, políticas, culturais, laborais e, ao mesmo tempo, capazes de intervir e problematizar as formas de produção e de vida”. 

A escola tinha, diante de si, o desafio de sua própria recriação, pois os rituais escolares eram “invenções de um determinado contexto sociocultural em movimento”. 

A proposta educacional da escola de tempo integral visava “promover a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar e cuidar (…) alcançar a melhoria da qualidade da aprendizagem e da convivência social, e diminuir as diferenças de acesso ao conhecimento e aos bens culturais, em especial entre as populações socialmente mais vulneráveis”.

A minha amiga Jaqueline não se cansava de zurzir naqueles que, através de “malabarismos pedagógicos, invencionices curriculares e projetos de lei”, perenizavam um modelo educacional causador de desigualdade:

“A pobreza e a miséria em que vivem milhares de crianças são diretamente responsáveis pelas descontinuidades, reprovações, evasões que vivem ao longo da sua vida escolar (…) Não existe pedagogia salvacionista. Quem vende isto mente”.

Em Portugal, a “jornada ampliada” transformara a rotina das crianças numa dose dupla de tédio. Já não bastava a pasmaceira da sala de aula, ocupava-se o tempo (que deveria ser) livre nas chamadas AEC, “atividades de enriquecimento curricular”, atividades de conteúdo pobre – de enriquecimento curricular, nem vê-lo! – não passavam de uma versão mais barata do que o velho OTL (ocupação dos tempo livres). Tratava-se de atividades de desculpabilização curricular mal pagas a monitores, na sua maioria, sem qualquer preparo para a função. A isso se juntava o “apoio às famílias”, uma espécie de prolongamento da tarefa de “babysitter”, ou de um suave cárcere. E… cadê a “educação integral”?

Quando o dom do desapego me permitiu passar da ribalta para os bastidores da mudança, os educadores da ARCA asseguraram continuidade dos projetos, foram obreiros de uma nova educação, escapando a armadilhas como a de um “tempo integral” sem educação integral.

 

Por: José Pacheco

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