Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXXXVIII)

Maricá, 7 de julho de 2043

Nas décadas de setenta e oitenta, a Ponte organizava “colónias de férias”. Centenas de crianças passavam os meses de “férias” num lugar junto ao mar. Mesmo morando a cerca de 30 quilómetros do mar, muitas delas, tal como os seus pais, nunca tinham estado numa praia. 

A associação de pais estabelecia acordos com escolas de Vila do Conde e da Póvoa, e montava cozinhas e dormitórios. 

Na areia, a autodisciplina dispensava imposições, e a autoridade dos professores, pais e monitores não se confundia com autoritarismo. 

Não demorou que outras escolas organizassem as suas colónias de férias. Porém, os perigos resultantes da permanência num local aberto, davam origem a preocupações que professores dessas escolas resolviam com gritos e castigos. Isso não impediu que uma criança de uma escola próxima morresse afogada.

A quase meio século de distância do infausto acontecimento e de outros absurdos balneares, que observara a partir da colónia da Ponte, a sempre atenta e, legitimamente, crítica, Maria me dava conta do que, por sua vez, observara numa praia portuguesa, nos idos de vinte e três. 

“A praia escolar segue a métrica macabra dos muros da escola, mas com para-ventos. As coisas que as educadoras dizem são dignas de registo. Uma diz: “Sais da areia, agora, ou…!” E a criança olha-a com um ar confuso.  

Lembrei-me muito de ti e do quanto irias gostar de aqui estar. São várias escolas, cada qual com uma enorme vedação de para-ventos. Agora, uma educadora deu uma sapatada leve na cabeça de uma criança com no máximo três anos, porque ela demorou a pôr a mochila. Todos gritam, num estado de nervoseira, porque vem aíi o autocarro, para os levar de volta para o colégio. 

A newsletter, que o colégio enviou para os pais a pedir 120€ pela semana de praia, tem fotos de crianças sorridentes.”

Durante um ‘Jornal da Noite’, o locutor protagonizou um momento marcante, quando teve que dar a notícia do caso de Jéssica, uma menina que foi brutalmente agredida e que acabou por morrer, após ter sido mantida em cativeiro por vários dias na casa da suposta “ama”.

Após um curto intervalo, o bloco principal de notícias recomeçou: 

“E voltamos com um dos casos mais tenebrosos que tive de noticiar em toda a minha carreira. Foi hoje ouvida em tribunal a mãe da menina que morreu vítima de agressões monstruosas.”

Chocada com as agressões que encontrou no corpo da menina, uma inspetora da polícia confessou: 

“Estou nos Homicídios há 10 anos e nunca vi um caso assim. A menina foi entregue à tortura pelos próprios pais, supostamente devido a uma dívida relacionada à bruxaria ou drogas.”

Netos queridos, eu sei que ficais incomodados, quando abordo estes assuntos. Mas é por bem que o faço. Em 2043, a quem interessará ocultar a miséria moral dos idos de vinte e três? A corrupção e o ódio eram fenómenos estruturais e estruturantes de uma Sociedade doente e de uma Família não disfuncional (como os teoricistas a designavam), mas que perrdera os contornos de antanho e disso não se apercebia.

Contrariando a afirmação do Brandão (ou de Freire?) – “a educação não muda a sociedade, muda as pessoas, e as pessoas mudam a sociedade” – se a sociedade não mudava a educação, a educação não mudaria as pessoas, e as pessoas não mudariam a sociedade. Num círculo vicioso alimentado por obsoletas práticas escolares, a escola reproduzia múltiplas violências, adoecia os professores e levava jovens a praticar automutilação.  

Seria na Escola que esse vicioso círculo viria a ser interrompido, em diálogo com a Família e a Sociedade. Irei contar-vos como entramos na “Idade da Educação”.

 

Por: José Pacheco

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