Mogi das Cruzes, 11 de julho de 2043
No Brasil, só poderemos falar da existência de uma rede escolar pública, a partir de 1930. Mas poderíamos falar de Escola Pública num país em que a rede pública de ensino era geradora de abandono intelectual?
Sim. Lestes bem. O “índice de desenvolvimento da educação básica”, as classes de reforço, a fuga à matrícula, o êxodo de alunos para o “ensino particular” e para “escolas alternativas”, analfabetismo crônico, propostas de homeschooling na câmara dos deputados… eram explícitos reveladores da falência do sistema de ensinagem.
O direito (constitucional) à educação era negado à maioria dos alunos das escolas de sala de aula. Em cada cinco matriculados no primeiro ano de escolaridade apenas um concluía um curso universitário. O modelo da ensinagem imposto pelo Estado às escolas obstava ao cumprimento do disposto na Constituição.
Dados divulgados pelo Ministério da Educação apontavam para milhões de jovens abandonando o ensino fundamental. Diria que não eram os jovens que o abandonavam, os jovens eram abandonados pelo Estado. Os elevados índices de evasão escolar e a deterioração das políticas públicas de educação não seriam indícios de… abandono intelectual? Essa anómala situação não configuraria “abandono intelectual”? A sala de aula não seria locus de “abandono intelectual”? Cadê o cumprimento do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente?
Na letra da lei, o ECA assegurava, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais das crianças referentes à vida, à saúde, à alimentação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária… à educação. Na prática, no chão de escola, o direito fundamental à educação não era assegurado.
O direito à educação era parte de um conjunto de direitos sociais, que tinham como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas. Em 1988, as responsabilidades do Estado foram repensadas e promover a educação fundamental passou a ser seu dever. E o artigo 205º da Constituição consagrava o direito da pessoa ao pleno desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O artigo 208º dizia-nos que o dever do Estado com a educação seria efetivado mediante a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito, bem como pelo acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Todos, sem qualquer distinção, tinham (por lei!) direito à educação e, especificamente, à educação escolar, regulamentada pela LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Por seu turno, o artigo 55 da Lei 8.069 estabelecia:
“Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.
Uma notícia dizia que tinha sido mantida a condenação de uma mãe que “deixou de prover à filha o direito de estudar”. Acusaram-na de prática do crime de “abandono intelectual”. Mas, em tempo de pandemia, as filhas da Kátia e as dezenas de crianças do seu bairro estavam sem contato com a escola, há mais de três meses. Essa situação não configurararia, também, “crime de abandono intelectual”?
Esse crime constava do Código Penal. A Escola do Estado teria o direito de condenar milhões de jovens ao insucesso na escola e na vida? Teria direito de, impunemente, contrariar o Direito? Não reconhecia a mesma lei o “direito da criança e do adolescente à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa”?
Dizia-se que o Brasil contava mais de um mmilhão de leis. Mas, parecia que só a lei da gravidade se cumpria.
Por: José Pacheco
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