Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCI)

Santa Rosa, 20 de julho de 2043

Em meados de vinte e três, voltei a lugares onde ajudara a semear projetos. Em alguns desses lugares, decorria a concretização precária de projetos sonhados. Em outros, apenas achei pesadelos.

 Em Niterói, o encontro com a minha amiga Leila, na “Moleque de Ideias”, foi um lenitivo para uma quase-crise. Também foi ponto de partida para encontrar modo de serenar uma avó amorosa e preocupada. Com essa avó educadora e outros dedicados profissionais, deitei mãos à obra. 

Netos queridos, fora acometido por uma tão grande vontade de desistir e, por pouco, não fui viver sozinho, contemplar passarinhos e plantar árvores. Me contive, porque a vida me deu mais uma (e derradeira) oportunidade de ser feliz. E havia a ARCA, a Escola Aberta, uma Analu, a precisar de ajuda – pelo menos, eu acreditava que precisassem. 

Daí que tenha decidido ficar por mais um tempo, ajudando avós a cuidar do bem-estar dos seus netos. Entre julho e agosto, lhes fui entregando uma “gramática” feita de recomendações. 

Já aqui vos falei do constitucional (e sagrado) direito à educação. Porém, algumas escolas se arrogavam o direito de não reconhecer tal direito, por via de práticas de sala de aula, ou pela recusa de matrícula, a pretexto de não haver “vaga”. 

Se essa preocupante situação se verificasse, as famílias deveriam exigir a intervenção do conselho tutelar (CPCJ, em Portugal) e até mesmo acionar o judiciário. Que não abdicassem do direito, nem seguissem vias marginais à crise do “sistema”, rotas de fuga para “paraísos artificiais”, que mais não eram do que válvulas de escape da crise desse pérfido “sistema”. 

Mas, até projetos “alternativos” padeciam da crise. A Terra Una definhava. A Inkiri cristalizara e não aderia à ideia de ser uma escola pública. A Ayni, que se assumia como uma “mensagem de inspiração para empresários e empresárias, educadores, mães e pais, produtores e gestores públicos”, mostrava indiferença pela escola dita “pública”, que, ali, mesmo ao lado, não era inspiração para empresários e empresárias, mas mero objeto de cobiça.

A mercantilização da escola pública avançava. Era um “salve-se quem puder” de quem possuía recursos para escapar do massacre instrucionista, ora paraísos artificiais, ora para os braços “eficazes e eficientes” de empresas anglo-saxônicas. Uma delas assim se apresentava:

“Projeto de ensino alternativo já tem 40 escolas em Portugal. Os alunos usam uma plataforma digital que está sempre acessível e cada um pode aprender ao seu ritmo, sem horários fixos, nem aulas. Os “course managers” organizam os conteúdos e elaboram os exames. Profissionais de coaching orientam os alunos à medida das suas aprendizagens e ritmos.”

Anunciava-se como “novidade” algo que a escola pública da Ponte, há muito tempo, fizera. Nos idos de vinte, empresas estrangeiras prometiam algo que ficava muito aquém das inovações de uma escola pública, que o ministério da educação, ao longo de mais de meio século, desprezara. E havia quem pagasse o que deveria ser gratuito… porque a escola pública dizia “não ter vaga”.  

“Caro Professor Zé, recebi um telefonema da secretaria da Escola da Ponte, a informar-me que não havia vaga para o Gabriel e que deveria escolher outra escola. 

Foi um choque para nós porque pensámos que conseguiríamos vaga com base no Artigo 11º do Despacho Normativo n.º 10-B/2021, no espírito do Decreto-Lei 54/2018, em que crianças com necessidades educativas específicas têm prioridade no acesso às vagas na matrícula dos estabelecimentos de ensino.”

Não havia “vaga”? Na Ponte? 

“Até tu, Brutus?”

 

Por: José Pacheco

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