Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCII)

Mogi das Cruzes, 21 de julho de 2043

“Senti-me sempre chamado a construir um pensamento que me permitisse reconhecer e acolher as contradições, lá onde o pensamento dito normal não vê senão alternativas, e a descobrir as minhas verdades em pensadores que se nutrem de contradições.” 

Quando já contava cento e dois anos de idade, Mestre Morin não de cansava de aprofundar contradições e de nos avisar de que a Escola da Modernidade nos confirmara numa ética individualista. 

Morin era um ser humano lúcido. Centenário, apontava possíveis saídas para a tragédia educacional, delineando utopias, sugerindo contornos de novas construções sociais de aprendizagem e de educação. 

Nele inspirado e numa nova visão de mundo e sociedade, a Ponte de 1976 elaborou uma matriz axiológica com base em três valores: solidariedade, responsabilidade e autonomia. Em coerência com essa matriz, se poderia alcançar o estatuto de comunidade. Mas, foi no Brasil que encontrei terreno fértil para comunitárias intervenções, a máxima expressão da matriz axiológica estabelecida na Ponte. Foi no Suave, no Capão Redondo, na Rocinha, no Vidigal, na Boa Esperança e outras comunidades, que encontrei resposta para a interrogação do poeta: 

“Que povo é este, que é poeta e se alimenta de tanta maré vazia, num mar que ele próprio inventa?” 

Em boa hora, a Ludi me levou a conhecer a “Casa Reviver”, a Karina, a bondade da Aparecida, a generosidade de outros voluntários, uma jovem e extraordinária equipe, a esfuziante alegria de crianças felizes. Ao cabo de mais de vinte anos de amorosos gestos e superações, ali se reaprendia os valores da solidariedade, da responsabilidade, da autonomia. 

Ali, nos comprometemos a ajudar, a cuidar de jovens almas, a minorar o analfabetismo, a estabelecer pontes com escolas, para que compreendessem que a anciã arte e ciência da Pedagogia deveria ser completada com arremedos de Antropagogia, para que “escravos não mais conduzissem crianças” para o prédio de uma escola, que as condenava ao analfabetismo e a outros ignorantes padecimentos.

Aqui me vejo constrangido a “surfar” etimologia. Acaso não saibais, a palavra grega “paidagogos” foi formada pela palavra paidós (criança) e agogos (condutor). “Pedagogo” é o mesmo  que “condutor de crianças”, aquele que ajuda a conduzir o ensino, o trabalho do escravo grego, encarregado, também, da “Paidéia intelectual e cultural”. 

Na lógica da aprendizagem, a pessoa (criança, jovem, adulto), sujeito aprendente (o ser humano, Anthropos), no contexto de uma relação de auto-transformação-com-outros, não consumia informação, por via do didatismo e da docência – produzia vínculos, partilhava conhecimento. 

Essa relação era, simultaneamente cognitiva, emocional, ética, espiritual e, sobretudo, afetiva, da mesma natureza de uma relação amorosa filial, conjugal, universal. No início do século XX, o Pessoa o tinha poeticamente intuído:

“Quero ser o teu amigo.

Na medida mais precisa que eu puder.

Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,

Da maneira mais discreta que eu souber.

Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.

Sem forçar tua vontade.

Sem falar, quando for hora de calar.

E sem calar, quando for hora de falar.

Nem ausente, nem presente por demais.

Simplesmente, calmamente, ser-te paz.

É bonito ser amigo, mas confesso: é tão difícil aprender!

E por isso eu te suplico paciência.

Vou encher este teu rosto de lembranças,

Dá-me tempo de acertar nossas distâncias,”

Na “Casa Reviver”, se encurtava a distância entre o egocêntrico olhar para o umbigo e a escuta da voz que vinha do coração.

 

Por: José Pacheco

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